Seis ministros votaram pela responsabilidade do empregado em provar falta na fiscalização do contrato.
Nesta quinta-feira, 13, por maioria, STF definiu que cabe ao empregado terceirizado o ônus da prova sobre falhas na fiscalização das obrigações trabalhistas em terceirizações públicas (tema 1.118).
Prevaleceu o voto do relator, ministro Nunes Marques, que defendeu o provimento do recurso e que a comprovação da ausência de fiscalização seja de responsabilidade do empregado. O entendimento foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e pela ministra Cármen Lúcia.
Ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin acompanharam o relator no caso concreto, mas divergiram quanto à tese, sustentando que, em determinadas situações, o juiz poderia redistribuir o ônus da prova conforme as circunstâncias do processo.
Por outro lado, o ministro Edson Fachin abriu divergência, argumentando que a responsabilidade de comprovar a fiscalização deve recair sobre a administração pública. Seu entendimento foi seguido pelo ministro Dias Toffoli.
Ministro Luiz Fux esteve impedido de participar do julgamento.
Caso
O Estado de São Paulo argumentou que a condenação do poder público sem a devida comprovação, baseada unicamente em presunção, contraria entendimentos do STF e representa declaração implícita de inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da lei de licitações.
No recurso, o Estado sustentou que a interpretação adotada pelo TST tem gerado impacto financeiro aos cofres públicos, mesmo sem a comprovação de qualquer conduta culposa do ente na fiscalização dos contratos de prestação de serviços.
Além disso, defendeu que, por exigir um processo licitatório, a contratação pública afasta qualquer presunção de responsabilidade por culpa na escolha da empresa contratada.
Por fim, ressaltou que as decisões das instâncias ordinárias não identificam, de forma concreta, qualquer conduta específica de agente da administração que possa ser caracterizada como culposa.
Voto do relator
Ministro Nunes Marques entendeu que a responsabilização da administração pública por encargos trabalhistas de empresas terceirizadas exige provas concretas. Para S.Exa., atos administrativos são presumidamente legítimos e só podem ser questionados mediante comprovação idônea de irregularidade.
O relator destacou que a administração deve exercer a fiscalização, mas cabe ao autor da ação demonstrar falhas nesse processo. Segundo o ministro, a responsabilização subsidiária do ente público exige “objetiva e cabal comprovação” de omissão na fiscalização ou descumprimento de normas contratuais, sendo inadmissível a inversão do ônus da prova.
Nunes Marques ressaltou que a culpa da administração não pode ser presumida, sendo necessário demonstrar nexo de causalidade entre sua conduta e o dano sofrido pelo trabalhador. Além disso, apontou que a administração deve garantir condições adequadas de trabalho e adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas nos contratos de terceirização.
Acolhendo sugestões do ministro Flávio Dino, foi sugerida, ao final, a seguinte tese:
“1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.
2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, notadamente o pagamento, enviada pelo trabalhador, sindicato, ministério do Trabalho, ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo.
3. Constitui responsabilidade da administração pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º da lei 6.019/74.
4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da lei 6.019/74; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da lei 14.133/21, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.”
Também foi acolhida sugestão do ministro André Mendonça para que tese tenha efeitos prospectivos.
Distribuição dinâmica
Ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator no caso concreto, mas ressaltou a necessidade de considerar a previsão legal da distribuição dinâmica do ônus da prova.
Segundo Zanin, a regra geral determina que o autor da ação deve comprovar o fato constitutivo de seu direito, conforme os arts. 818 da CLT e 373 do CPC. No entanto, o ministro destacou que a legislação prevê exceções, permitindo ao juiz redistribuir esse ônus de forma excepcional.
Diante disso, o ministro propôs a inclusão de uma ressalva na tese de julgamento, permitindo ao magistrado redistribuir o ônus probatório em situações específicas, sem comprometer a regra geral:
“A responsabilidade subsidiária da administração publica por encargos trabalhistas, se fundada na inversão do ônus da prova, será legitima se tiver sido fixada por decisão judicial fundamentada e prévia instrução oportunizando-se ao ente público a produção da prova que lhe incumbe nos termos da legislação vigente.”
Ministro Flávio Dino acompanhou a sugestão de Zanin.
Divergência
Ao votar, ministro Edson Fachin abriu divergência, entendendo que a responsabilidade de comprovar a fiscalização dos contratos de trabalhadores terceirizados cabe à administração pública.
Destacou que a Justiça do Trabalho tem um papel essencial na proteção dos trabalhadores, impedindo que sobre eles recaia o ônus de demonstrar a atuação fiscalizatória do poder público.
Na visão do ministro, ao terceirizar serviços, a administração também busca transferir a obrigação de provar que cumpriu seu dever de fiscalização. Para S. Exa., exigir essa comprovação dos trabalhadores desconsidera sua impossibilidade prática de arcar com esse encargo.
O ministro ressaltou que, sempre que a Justiça do Trabalho concluir que o tomador do serviço não se desvinculou desse dever, a condenação subsidiária deve ser mantida.
Dessa forma, para Fachin, se a Justiça do Trabalho reconheceu a omissão na fiscalização, a administração pública deve ser responsabilizada.
Transparência
Ministro Dias Toffoli acompanhou Fachin, entendendo que o trabalhador terceirizado não possui meios para acessar informações de fiscalização, cabendo ao ente público demonstrar que realizou as diligências necessárias.
Para o ministro, a administração pública deveria trazer elementos concretos ao processo, demonstrando que cumpriu seu dever de fiscalização e afastando sua responsabilidade subsidiária em eventuais débitos trabalhistas de empresas terceirizadas.
Veja trecho do voto:
Toffoli sugeriu, então, ao menos, que a administração disponibilize registros da fiscalização em um portal de transparência, garantindo acesso às informações sem comprometer a segurança de determinados contratos, como os de empresas de vigilância.
Para S. Exa., não há justificativa para restringir o acesso a esses documentos nos portais de transparência, pois tal publicidade permitiria que trabalhadores terceirizados, sindicatos, o MPT e a Defensoria Pública verificassem se houve fiscalização adequada.
Toffoli alertou que a exigência de comprovação recai, muitas vezes, sobre trabalhadores em situação vulnerável, com baixos salários, que dificilmente teriam acesso a essas informações.
Processo: RE 1.298.647