Ação em celebração ao aniversário da carreira foi promovida pela ANAFE e ocorreu nesta terça-feira (16)
Procuradores do Banco Central, Advogados Públicos, especialistas, representantes de carreiras e convidados reuniram-se na sede da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE) nessa terça-feira (16) para celebrar o aniversário da carreira de Procurador do Banco Central. Na ocasião, foram feitas rodas de conversa para debater a PEC 65/23, que vem gerando a mobilização da carreira, em razão dos seus impactos. O objetivo do evento foi fomentar um debate construtivo e esclarecedor sobre as possíveis repercussões e desafios das alterações propostas.
A PEC 65/2023 é de autoria conjunta de 42 senadores e a relatoria é conduzida por Plínio Valério (PSDB-AM). A iniciativa prevê a “autonomia de gestão administrativa, contábil, orçamentária, financeira, operacional e patrimonial, sob supervisão do Congresso Nacional”. Atualmente, a proposta se encontra em tramitação no Senado.
O evento faz parte de uma série de ações que a ANAFE tem realizado, incluindo reuniões, enquete, debates e outras atividades, com o intuito de salvaguardar os direitos e prerrogativas dos Procuradores e Procuradoras do Banco Central, assim como dos demais membros das carreiras que compõem a Advocacia-Geral da União (AGU). A proposta de conceder autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central tem suscitado dúvidas e preocupações.
“Os colegas sempre demonstram uma sinergia, formando uma unidade extremamente forte. Não vai ser fácil quem quer que seja derrotar esta carreira. Todos os dias presenciamos a reação dos procuradores à PEC 65 de forma técnica, de forma única. Nos sentimos seguros em qualquer reunião em defender as ideias do Banco Central por sabermos que teremos os respaldos dessa forte base. Mais de 80% desses colegas pertencem a ANAFE, o que traz para nós um sentimento de muito orgulho. A associação pertence aos colegas procuradores do Banco Central e, ao que depender de nós, estaremos sempre juntos”, afirmou Sérgio Montardo, presidente da ANAFE.
A representante da carreira de procurador e procuradora do Banco Central na associação, Conceição Silva, pontuou que, apesar do momento ser de celebração, existe muita inquietação e dúvida.
“Temos muita união e capacidade intelectual, com quadros altamente qualificados. O Banco Central atravessa uma crise, não só com os procuradores ameaçados, mas de falta de recursos orçamentários, e cabe a nós, propormos as melhores soluções para a casa”, completou o Procurador-Geral Adjunto do Banco Central do Brasil (Substituto), Erasto Villa Verde de Carvalho Filho.
Também presente no evento, o Adjunto do Advogado-Geral da União, Flavio José Roman, reforçou sua preocupação com a falta de perspectiva no alinhamento de cargos na autarquia. “Vejo uma situação administrativa complexa dentro do Banco Central, de difícil solução. A PEC, apesar de não ser a ideal, coloca a necessidade de discussão aos problemas da instituição, num momento que ela deveria estar em festa. Há anos estamos nos aprimoramos com grandes conquistas e uma atuação brilhante durante a pandemia, num sistema financeiro que respondeu muito bem. Nos empenhamos dentro da AGU para subscrever os pedidos de concurso que foram formulados pela autarquia e tocando movimentos de integração entre as quatro carreiras”, disse.
A PEC 65/23
Especialistas consideram o texto preocupante por modificar o status do Banco Central para uma empresa pública, além de alterar o regime jurídico dos procuradores, retirando a Procuradoria-Geral do Banco Central (PGBC) da esfera de atuação junto à Advocacia-Geral da União (AGU).
Um levantamento realizado pela Anafe aponta que, dos 97 procuradores entrevistados, 92 manifestaram-se contra a transformação do BC em empresa pública, enquanto apenas quatro mostraram indiferença e um foi favorável. Além disso, 92 foram contra a vinculação à CLT, e cinco ficaram indiferentes. Em relação à migração para carreira congênere, 17 estão indecisos e 80 optariam por essa alternativa.
“O grande ponto aqui está na transformação do Banco Central em empresa pública. A decisão de atribuir autonomia ao BC é claramente política. A insegurança jurídica que pode resultar desta PEC é muito grande”, pontua Natália Barbosa, procuradora do Banco Central.
Para a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e professora da FGV-SP, Elida Graziane Pinto, entre os riscos eminentes da PEC estão a autoridade monetária como empresa estatal não dependente: poder de polícia administrativa e regulação do mercado financeiro como atividade precípua do Estado; o insulamento burocrático majorado e captura pelo mercado financeiro; os resultados negativos do BC não poderiam ser cobertos pela STN nos moldes atuais, pois a PEC 65/2023 fala na necessidade de nova lei; e o fato da relação do Congresso e executivo com o mercado financeiro não estar resguardada.
O procurador do Banco Central, Jefferson Alvares compartilhou com os presentes um pouco da história dos Bancos Centrais de todo o mundo e abordou mitos e boas práticas. “A história recente mostra o mal que a interferência política pode fazer nos BCs. Os BCs não são concebidos para dar lucro e, por muitas vezes, os prejuízos são preços a pagar para manter um sistema financeiro seguro”, assegurou.
“Por que autonomia financeira? Para não depender da boa vontade do executivo e do parlamento; ajuda no planejamento de médio e longo prazo e na flexibilidade da gestão pública”, ponderou o professor e coordenador do mestrado em economia do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, Thiago Caldeira. Segundo ele, os princípios orçamentários existem para garantir a legitimidade do gasto público. Em seu discurso, Caldeira pontuou as vantagens e desvantagens da cota única e orçamento bruto, além de mencionar alguns casos de orçamentos paralelos no Brasil como Fundo de Compensação Ambiental; conta CDE no setor elétrico; contas vinculadas nas concessões de rodovias; pagamentos diferidos nas concessões (exemplo: concessão de parques federais); Lava-Jato e os recursos de multas e devoluções; investimento cruzado em ferrovias (lei 13.448/2017); Leilão do 5G e conversão de outorgas em investimentos (lei nº 13.879, de 2019).
Carta aos brasileiros em defesa do Banco Central como ente de Direito Público
Homenageado do evento, o ex-presidente da ANAFE e procurador do Banco Central, Lademir Rocha, aproveitou a oportunidade para ler uma carta em defesa à instituição.
No texto, ele afirma que o pretexto de ampliar a autonomia do Banco Central do Brasil, a PEC 65/2023 pretende alterar sua natureza jurídica, transformando-o de autarquia, submetida ao direito público, em empresa pública, sujeita ao direito privado.
“À luz da Constituição de 1988, a PEC 65/2023 é preocupante na medida em que prevê o descolamento do Banco Central em relação ao Poder Executivo, opção que fere a separação de poderes. Trata-se de proposta que rompe com a tradição institucional brasileira, que estabelece distinção entre os âmbitos de atuação das autarquias e o das empresas públicas, reservando àquelas o desempenho de atividades típicas de Estado e a essas o exercício de atividades econômicas. Além disso, a mudança proposta gera insegurança institucional, representando risco à continuidade e à higidez da atuação do Banco Central, colocando em risco a execução das políticas monetárias e de crédito e a estabilidade do sistema financeiro nacional”, diz.