No último sábado (24), o portal de notícias Jota publicou o artigo “Aplicação da Súmula 618 do STJ à responsabilidade administrativa ambiental”, escrito pelo Coordenador do Centro de Estudos da ANAFE, Marcelo Kokke, e pelo Procurador Federal, Miguel Ângelo Sedrez Junior. Segundo os autores: “A partir do momento em que o Superior Tribunal de Justiça (v.g. EREsp 1.318.051/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 12.6.2019) configurou a responsabilidade administrativa ambiental como uma responsabilidade subjetiva, vieram vozes e interpretações que por vezes tratam a responsabilidade no direito sancionador ambiental como se fosse uma verdadeira responsabilidade penal, para fins de verificação de culpa”.
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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Aplicação da Súmula 618 do STJ à responsabilidade administrativa ambiental
Um dos problemas na abordagem brasileira é imaginar que toda infração administrativa carrega necessária demonstração de culpa
A responsabilidade administrativa ambiental, guiada que é pelos princípios retores do processo administrativo sancionador em comunhão e interlocução para com os princípios retores do Direito Ambiental, possui nuanças e peculiaridades. A partir do momento em que o Superior Tribunal de Justiça (v.g. EREsp 1.318.051/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 12.6.2019) configurou a responsabilidade administrativa ambiental como uma responsabilidade subjetiva, vieram vozes e interpretações que por vezes tratam a responsabilidade no direito sancionador ambiental como se fosse uma verdadeira responsabilidade penal, para fins de verificação de culpa.
Entretanto, configurar a responsabilidade administrativa como subjetiva não significa exigir no processo administrativo sancionador idêntico parâmetro de culpabilidade que se demanda no processo penal. Há uma clara distinção entre os âmbitos punitivos, derivada, inclusive, da fixação e impacto afeto aos bens jurídicos envolvidos na fixação sancionadora. Se o direito administrativo sancionador enfoca o patrimônio e a atividade desenvolvida, o direito penal pode vir a alcançar a liberdade do indivíduo.
Um dos problemas na abordagem brasileira do tema é imaginar que todas as infrações administrativas carregam em si uma necessária demonstração de culpa em igual medida para imposição de penalidades penal e administrativa. A compreender tanto, no direito sancionador como um todo, até mesmo para aplicar uma multa por ultrapassagem de sinal vermelho seria necessário comprovar culpa do motorista, com indicação estatal de imperícia, imprudência ou negligência, que sequer poderia ser inferida pela conduta contextualizada.
Os julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, ao reconhecerem o caráter subjetivo na responsabilidade administrativa ambiental, demandam a caracterização da presença volitiva na realização da ação ou da omissão punida pela Administração Pública, com a abertura para excludentes a serem demonstradas pelo autuado no processo administrativo ambiental.
Essa dimensão de diversidade do direito sancionador é destacada por Alejandro Nieto García. O ius puniendi estatal se manifesta com distinção no direito sancionador. Não há uma aplicação plena dos princípios penais justamente porque isso equivaleria a assimilar e igualar os diversos campos punitivos estatais em sua gravidade e consequência. Alejandro Nieto García[1] fala aqui de aplicação de um mínimo suficiente dos postulados e princípios penais. Isso vai significar que infrações administrativas, inclusive as ambientais, podem conduzir a aplicações legítimas de sanções desde hipóteses que vão da simples inobservância até uma efetiva e clara condução dolosa do agente. A conformação do tipo infracional ambiental irá revelar essa exigência de gradação. Por isso se fala no direito sancionador de um giro da culpabilidade.
A culpabilidade no direito sancionador pode ser decorrente da simples inobservância quando as infrações se manifestem a partir de atos formais que tenham sido renegados de forma voluntária e imputável ao agente. É o caso, por exemplo, de desenvolvimento de uma atividade sem adoção da autorização ou da licença necessária. Não se questiona de uma abordagem de imperícia, imprudência ou negligência em seu teor de profundidade, pois a simples não obtenção da licença ou autorização já legitima a imputação punitiva.
Alejandro Nieto García destaca nesse ponto que na inobservância “el ‘giro administrativo de la culpabilidad’ no se ha detenido en el distanciamiento del dolo y magnificación de la culpa sino ha llegado al mero incumplimiento como ha proclamado el artículo 130.1 LPAC”. Ou seja, “por simple inobservancia puede producirse responsabilidad en materia sancionadora”. Portanto, os órgãos do SISNAMA, na aplicação de penalidades afetas a tipos administrativos dessa índole, precisam demonstrar apenas a inobservância volitiva da norma administrativa ou legal ambiental, não havendo incursão sobre nível de culpa do infrator tal como se fosse apuração de responsabilidade penal.
É de se notar que para a configuração da responsabilidade administrativa ambiental se exige apenas a voluntariedade da conduta praticada que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente como diz o texto do artigo 70 da Lei 9.605/98. E, a voluntariedade da conduta não se confunde com a culpabilidade de forma alguma, posto que anterior a ela.
Ao suporte dos temperamentos em questão, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela aplicação da Súmula n. 618 ao processo administrativo sancionador. A Súmula determina que a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental. Essa aplicação às ações de degradação ambiental não se restringe às hipóteses de responsabilidade civil ambiental, também sendo aplicável às situações de responsabilidade administrativa ambiental.
Destaca-se aqui o julgamento proferido no Recurso Especial 1967742 – PR. Por atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) em representação do Ibama, o STJ veio a reformar decisão do Tribunal Regional Federal, então proferida em unanimidade. O TRF da 4ª Região havia assumido uma interpretação de culpabilidade com lastros punitivos de rigidez penal para fins de demonstração de responsabilidade do autuado em uma infração ambiental administrativa. O STJ, em homenagem ao princípio da precaução, decidiu pela aplicação da inversão do ônus da prova, prevista na Súmula 618, também ao processo sancionador ambiental. Assim, atribuiu-se ao empreendedor a prova de que o meio ambiente permanece hígido, mesmo com o desenvolvimento de sua atividade imputada como ilícita pela Administração Pública.
Na ocorrência de responsabilidade administrativa ambiental, cabe ao órgão ambiental demonstrar a inobservância volitiva da norma, fator que configura a ilicitude. Nesse sentido, Marcelo Madureira Prates afirma que, a partir do momento em que a administração identifica na condução da parte infratora fatores de ilegalidade e violação às normas jurídicas, abre-se àquele o ônus de sustentação de razões de desconstrução da presença de elementos que justifiquem a imposição punitiva. Se não o fizer, prevalece a conformação de infração a legitimar o direito sancionador.
O ponto central na apreciação de punibilidade na seara administrativa se manifesta pela participação voluntária do sancionado nos atos qualificados como infracionais, situação que demanda a aplicação da inversão do ônus da prova, ao que cabe ao autuado pelo órgão do Sisnama demonstrar sua não atuação em censurabilidade diante da violação normativa.