No último sábado (13), o portal de notícias Jota publicou o artigo “A justiça climática na AGU”, escrito pelo Procurador Federal associado à ANAFE, Diego Pereira. Segundo o autor, o texto é um chamamento teórico a ser aplicado em prática diária pelo maior escritório de advocacia do país, responsável pelo manejo do maior orçamento brasileiro. A paralisia de uma parcela que nega e interdita o debate da justiça climática não pode contaminar o serviço público.
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CLIMA
A justiça climática na AGU
É urgente o trato desse tema no âmbito público, e a Advocacia-Geral da União tem assumido esse papel
Justiça climática é um princípio, advindo do conceito de justiça, que busca a redução das desigualdades originadas da exploração ambiental/climática.
Ela sempre terá como referência pessoas, geralmente vulnerabilizadas pelas ações do clima e, justamente por isso, é comum se ouvir que justiça climática é um diálogo permanente com os direitos humanos.
Há duas formas de se pensar o papel da Advocacia-Geral da União (AGU) como advocacia de Estado que é: antecedente e consequente.
Antecedente refere-se ao papel de consultoria, através de assessoramentos e atuação consultiva. Não há exemplo melhor do que a juridicidade, legalidade e conformidade insculpidas em políticas públicas quando o Executivo e/ou Legislativo absorve uma proposta da arena pública e a transforma em uma escolha de governo.
É a AGU, no âmbito federal, que dirá se se trata de uma escolha legal, constitucional e condizente com um rol de normas e procedimentos na esfera do juridicamente possível.
Já nos casos de atuação em defesa da União e seus vários braços como autarquias e fundações, geralmente após violação da norma, tem-se o cenário da litigiosidade a ser resolvida em juízo ou por meio da resolução consensual de conflitos.
Tanto em um caso como em outro (preventivo e repressivo), a justiça climática se faz presente como uma dimensão de justiça a ser valorada pela advogada e pelo advogado público, seja como princípio, método ou juízo de valor.
Se a análise de políticas públicas é a porta de entrada para a diminuição de desigualdades advindas do clima; os acordos e ações judiciais (independentemente da posição de autor ou réu) é a última possibilidade de os advogados que representam a União, suas autarquias, fundações e patrimônios correlatos fazerem justiça com os mais vulneráveis em cenários de violência em florestas, aldeias, quilombos; de deslizamento de morros e encostas; de enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra.
Importante destacar que não se limita aqui, no presente artigo, a atuação dos mais diversos componentes do sistema de justiça em “fazer justiça ambiental/climática”. Apenas ressalta-se um disclaimer sobre o papel daqueles causídicos que estão ali ao lado do estado representando-o, judicial e extrajudicialmente.
Ora, se a AGU estabelece métrica, fundamentos, diretrizes para diminuir as consequências ambientais que sujeitam desproporcionalmente os mais vulneráveis no momento da implementação e uma política pública, tem-se, lá na frente, uma espécie de colchão redutor de injustiças.
Exemplos de algumas políticas públicas com aplicação prática do vetor-orientador “justiça climática” quando da sua implementação: a) moradias populares que tenham na sua validação jurídica o cumprimento de direitos básicos como instalação de sistema de água e esgoto e energia limpa ou em processo de transição justa; b) criação de unidades de conservação que diminuam o desmatamento, mas também se preocupe com as comunidades vulneráveis ali instaladas; c) demarcação de terras indígenas e reconhecimento de territórios quilombolas que protejam permanentemente o local, mas sobretudo os mais vulneráveis que nesses locais constituíram suas vidas ancestrais; d) concessões de portos, aeroportos e rodovias com o compromisso de empregos verdes, energia limpa e uso sustentável do subsolo, solo e espaço aéreo.
Mas pode surgir a indagação: tudo isso não é uma escolha política que exclui atuação do corpo jurídico? Sim, mas não se pode negar que (quase) toda escolha política passa necessariamente pela juridicidade da advoga e do advogado público.
Se os direitos de preservação ambiental já são estatuídos na lei e na Constituição Federal (basta lembrar do dever de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado no art. 225, CF/88), restam aos advogados públicos fazerem um verdadeiro cotejo entre a escolha da política e o estatuído pela ordem jurídica. Afinal, a liberdade da política tem contornos limitados pelo direito.
É a AGU, tomada aqui como arquétipo de um rol de procuradorias estaduais e municipais, que fará cumprir, em seus pareceres, notas e assessoramentos, a lei climática justa pelo gestor público e privado em muitos casos.
Já em casos de litigância climática/ambiental, a atuação da AGU por uma litigiosidade menos injusta pelo clima permanece: ou propondo acordos que sem descuidar da proteção do bem público, proteja mais o meio ambiente; ou mesmo reconhecendo que o estado falhou e que, portanto, deve reparar o meio ambiente e/ou pessoas violadas pelo clima.
Os exemplos são variados: a) a proteção de povos violentados pelo clima como indígenas e quilombolas que no âmbito da União se dá pela representação e defesa do Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e pelo Ministério da Cultura e a Fundação Palmares, respectivamente. E nesses casos, basta lembrar dos ajuizamentos de ações e a contraposição em juízo a garimpeiros, madeireiros, mineradoras e outros; b) casos de indenização à população atingida em deslizamento de terra por culpa da administração. Nesses dois casos “a) e b)”, pode e devem, advogados públicos trabalharem com a aplicabilidade prática da justiça climática: defendendo pessoas vulnerabilizadas e a respectiva garantia à moradia digna, acesso aos serviços de saúde e previdência e outros direitos, sempre decorrentes de um rol de garantias fundamentais escolhido pelo constituinte originário.
Não se quis aqui assinar uma carta em branco em favor do Estado brasileiro. Muito pelo contrário, tentou-se demostrar o papel fundamental da Advocacia-Geral da União na busca pela justiça climática no Brasil, ou pela via de implementação de políticas públicas ou quando do questionamento dessas.
Se são os advogados públicos que validam políticas voltadas à redução de desigualdade no país, são eles também que podem propor a redução da injustiça pelo processo judicial.
Em ambos os casos, o meio e o fim sempre serão a proteção do Estado que nada mais é do que a representação do povo, o guardião da justiça em sociedade.
Este artigo é um chamamento teórico a ser aplicado em prática diária pelo maior escritório de advocacia do país, responsável pelo manejo do maior orçamento brasileiro. A paralisia de uma parcela que nega e interdita o debate da justiça climática não pode contaminar o serviço público.
É urgente o trato da justiça climática no âmbito público, e a AGU tem assumido esse papel, ao lado do Judiciário, como fomentadores da luta por um país menos desigual.