Antes mesmo de ser lançado oficialmente, o novo estudo da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, intitulado “O Lugar do Funcionalismo Estadual e Municipal no Setor Público Nacional (1986-2017)”, já repercute na grande imprensa. A publicação, que traz dados que desmistificam argumentos usados pela equipe econômica do governo para defender a reforma administrativa, foi destaque no jornal Valor Econômico nesta sexta-feira, 24 de janeiro. Leia a íntegra da reportagem abaixo.
O desafio de reformar em ano de eleições
Áreas de saúde e educação concentraram o crescimento do número de servidores nas últimas três décadas.
Valor Econômico
24 de janeiro de 2020
Por Lu Aiko Otta
Mais da metade dos 12,4 milhões de funcionários públicos brasileiros trabalha em prefeituras, aponta estudo inédito elaborado para a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público. Num ano de eleições municipais, esse pode ser um fator de complicação política para o governo avançar com as reformas econômicas no Congresso.
Muitos parlamentares, principalmente deputados, são candidatos a prefeito. Por mais que compreendam a importância das reformas econômicas e até concordem, deverão pensar duas vezes antes de apoiar medidas duras contra professores, médicos e enfermeiros que atuam em suas bases eleitorais. Foi nas áreas de saúde e educação que se concentrou o crescimento do número de servidores nas últimas três décadas, de acordo com o estudo.
“O ano eleitoral é, sim, uma pressão sobre o governo federal, e nós vamos usá-la”, afirmou o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente. O posicionamento dos parlamentares em relação às reformas será explorado nas campanhas, informou.
Intitulado “O Lugar do Funcionalismo Estadual e Municipal no Setor Público Nacional (1986-2017)”, o estudo mostra que o número de servidores nas prefeituras aumentou de 1,7 milhão para 6,5 milhões no período analisado. Nos Estados, a elevação foi de 2,4 milhões para 3,7 milhões. E na esfera federal a expansão foi de 1 milhão para 1,2 milhão.
Apesar da expansão, sustenta o estudo, o emprego público não cresce de forma descontrolada. Num período de análise mais curto, de 1992 a 2017, os empregados do setor público passaram de 9% da população economicamente ativa para 11%, “desautorizando interpretações que insistem em falar em movimento explosivo do emprego público no Brasil”.
O trabalho diz ainda que a expansão do emprego no setor público ocorreu em sintonia com o número de empregos no setor privado. Em 1986, 3,8% da população tinha vínculos de trabalho com o setor público, e 20,2%, com o setor privado. Em 2017, eram 5,5% e 25,5%, respectivamente.
“Em geral, portanto, o ritmo de expansão dos vínculos públicos acompanhou o ritmo de crescimento do setor privado – com variações em função dos movimentos cíclicos da economia ao longo do período estudado”, diz. “O mesmo movimento ocorreu em relação à população como um todo.”
Para “desmistificar” outro argumento em favor da reforma administrativa, o estudo minimiza a expansão das despesas de Estados e municípios com folha salarial. Admite que houve crescimento real, de 55% e de 78%, respectivamente, entre 2006 e 2017. Mas aponta relativa estabilidade no gasto como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Passaram de 3,1% para 3,8% do PIB nos municípios e de 3,95% para 4,25% do PIB nos Estados.
CONTEXTO
O governo federal apresentou no ano passado duas propostas de emenda à Constituição (PECs) que atacam os gastos com folha salarial. As PECs Emergencial (186) e do Pacto Federativo (188) autorizam União, Estados e municípios a adotar medidas duras, como o corte de 25% em jornada e salários do funcionalismo, congelamento temporário de salários e suspensão de promoções.
Já a reforma administrativa, ainda a ser enviada ao Congresso, vai mexer com o tabu da estabilidade funcional. O propósito dela não é cortar gastos, mas reformar a estrutura do funcionalismo.
A mudança será fatiada. Em fevereiro, deverá ser proposta uma emenda à Constituição para que o governo possa contratar funcionários por outros mecanismos que não necessariamente lhes garantam a estabilidade.
A PEC virá “vacinada” contra focos de resistência. Por exemplo: não afetará a estabilidade de quem já está no serviço público. Os novos que ingressarem em carreiras típicas de Estado também contarão com emprego estável. Que carreiras são essas é algo ainda a ser definido. A mudança não afetará militares nem servidores do Legislativo e do Judiciário.
Por estar na Constituição, a mudança se aplica também a Estados e municípios. Precisa, porém, ser regulamentada por essas esferas de governo.
Outras fatias da reforma administrativa, que ainda não têm data para chegar ao Congresso, vão tratar de novidades como a avaliação de desempenho dos servidores e a redução do número de carreiras, entre outros pontos.
Em 2019, a aprovação da reforma da Previdência por um governo sem base legislativa foi um feito impressionante. O apoio do Congresso à necessidade de reformar a economia e superar a crise explica o fenômeno.
No Ministério da Economia, a aposta é que essa dinâmica se sustentará este ano. Com os salários dos professores em risco, quase 2 milhões de pessoas na fila do INSS e o pleito municipal no horizonte, 2020 será um teste e tanto. A orfandade da “PEC paralela” da Previdência mostra que resistências em Estados e municípios são fortes.
Fonte: Valor Econômico.