Em continuidade à programação do seminário “As Instituições Jurídicas e a Defesa da Democracia”, foi realizado, nessa quinta-feira (12), o quarto dia de palestras. O evento está sendo realizado pela ANAFE em parceria com a Ajufe; a ANPR; a Anape; a ANPM; a Anadep; a Anadef, e a OAB. A programação se estende até esta sexta-feira (13), com 23 mesas de discussão abrangendo diferentes temáticas.
O evento é gratuito. Participantes receberão certificado de presença ao final do seminário (acompanhe ao vivo as discussões).
Veja como foi o quarto dia do evento.
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DISCURSO DE ÓDIO
Nessa quinta-feira (12), a programação do seminário começou com a palestra “Estado Democrático de Direito e Discurso de Ódio”, realizada pelo desembargador federal Roger Raupp Rios. Em sua saudação inicial, elogiou a realização do seminário que, segundo ele, contribui e toma uma posição construtiva importante nesse momento tão desafiador que vivemos no país, seja como cidadãos, seja no próprio regime democrático, particularmente sensível também para os profissionais do Direito.
Sua apresentação foi dividida em duas partes: a primeira tratou de uma forma mais genérica do discurso de ódio tentando mapear duas possíveis frequentes abordagens sobre o discurso do ódio; e a segunda parte buscou trazer consequências dessas abordagens quando pensamos no sistema de justiça, nas instituições jurídicas, particularmente estatais e a atuação dos profissionais nessas instituições.
Sobre a temática, o desembargador afirmou que “é uma questão que vai muito além de sentimentos, de manifestações infelizes ou abusivas de um ou de outro, o que está em questão são paradigmas de dominação, de exclusão que levam a violência não só simbólica, como a violência física mesmo e que não se pode buscar justificativas ou pretextos que nos afastem enquanto Instituição e profissionais desse momento histórico e da nossa responsabilidade coletiva que os tempos colocaram na nossa trajetória até aqui.”
RACISMO COMO CAUSA DE INSTABILIDADE POLÍTICA
Ainda durante a manhã, o Procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas, a Promotora de Justiça Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz, e o Advogado e Professor Universitário Samuel Vida abordaram o tema “Racismo Como Causa de Instabilidade Política.”
Samuel Vida abriu os debates agradecendo o convite da ANAFE. “Quero parabenizar a Entidade pela iniciativa. Trata-se de algo marcante para a história das Instituições Jurídicas. Não é comum a ousadia de debater além dos temas corporativos, e ao fazê-lo, a ANAFE oferta tanto à sociedade brasileira, quanto às demais instituições, um exemplo de uma outra mentalidade, mais adequada à contemporaneidade e aos desafios que cobram de todos nós, e de cada um de nós como indivíduos, um posicionamento com as demandas políticas e institucionais que atravessam o nosso país.”
Já o Procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas Enrico Freitas destacou que: “é possível afirmar que a estabilidade política, dentro do conceito constitucional, é uma estabilidade em movimento. Uma estabilidade que sai de um ponto que é o reconhecimento da existência do racismo e da discriminação do Estado brasileiro, mas que propõe com verbos de ação, um caminho e um objetivo muito preciso, que é o enfrentamento ao racismo. É fundamental afirmar que a implementação de políticas antirracistas e de ação afirmativa não geram instabilidade na ordem jurídica e política, ao contrário, elas garantem a estabilidade constitucional.”
Para a Promotora de Justiça Lívia Maria Santana, o poder político, que é um espaço muito importante e fundamental de transformação social, não é um espaço aberto a diversidade, não é um espaço possível ainda nos dias de hoje para pessoas negras, especialmente quando falamos de mulheres negras.
“Se nós considerarmos que pessoas negras são a maioria da população brasileira, e que as mulheres negras são a maiorias das mulheres, mais uma vez com a visão interseccional. Onde estamos nós mulheres negras no sistema de justiça? Isso traz um impacto direto para a forma que esse sistema é construído”, analisou.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DEMOCRACIA
O Procurador da República Domingos Sávio Dresch da Silveira disse imaginar que, quando se planejou o seminário com esse plano de fundo, certamente não se poderia prever o atual contexto. Para refletir um pouco sobre a democracia, essa que, segundo ele, vem sofrendo tantos ataques convidou para a reflexão sobre liberdade de expressão e democracia.
“Não existe nada mais essencial, mais oxigênio, que garante a vida da democracia do que a liberdade de expressão. Qualquer regime que não tenha liberdade de expressão não é democrático. Portanto, pensar em democracia é pensar em liberdade de expressão”, afirmou.
Sua apresentação foi realizada na perspectiva dos Direitos Humanos num duplo olhar: da Declaração Universal dos Direitos Humanos; e de como o tema é tratado no Pacto de San José da Costa Rica. Sendo assim, citou o artigo 19º da DUDH que diz “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.”
Domingos Dresch da Silveira destacou, ainda, os desafios e perigos existentes nos momentos atuais para a garantia da liberdade de expressão ao conjunto da população. Questões de acessibilidade à internet (com o avanço do 5G), e o monopólio dos meios de comunicação do país, estiveram entre os pontos tratados. O subprocurador também falou sobre a limitação da liberdade de expressão nas carreiras: “Nós estamos vivendo, nas nossas carreiras, um processo de silenciamento por parte das corregedorias das nossas instituições. Deter um cargo público traz algumas limitações, sim, à liberdade de expressão, notadamente naquilo que diz respeito a sigilos e processos que se atua diretamente, mas isso não torna o titular desse cargo um subcidadão ou cidadão de segunda categoria”, apontou.
HÁ DEMOCRACIA POSSÍVEL NA POLARIZAÇÃO?
Em uma conversa aberta sobre as angústias atuais, o Presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, afirmou que estamos vivendo como sociedade não só no Brasil, um momento que se prolonga de uma intensa e agressiva polarização nos diversos temas. Isso está dentro de um contexto maior, de uma virtualização, que nesse momento é bom, mas temos um lado extremamente negativo que é a liberação de alguns “avatares”, que por algum processo psicológico ganham uma nova personalidade quando entram no mundo virtual.
Segundo ele, não se pode desprezar a grande polarização vivida pela sociedade no Brasil, há mais de cinco anos. “A esse processo de polarização, soma-se ao fato do pleito eleitoral que elegeu a presidente Dilma Rousseff não ter terminado; seguiu-se a isso, a discussão sobre corrupção e a Lava Jato. Mais uma vez, perdemos uma oportunidade intensa de discutir, não na ótica do vilão e mocinho, da polícia e do bandido, que trazem rótulos que escondem a realidade. Somos múltiplos, diversos, e temos a mesma capacidade de cometermos atos bons e ruins. Quando buscamos um herói e um inimigo, empobrecemos a sociedade e perdemos a oportunidade de entender que somos humanos. Todos erramos enquanto não pararmos para entender o que foi o processo, a forma como ele foi cristalizado na sociedade. Entramos em um espiral de polarização que interessa apenas a determinados agentes”, criticou.
Ubiratan Cazetta afirmou, ainda, que perdeu-se o espaço para uma discussão mais madura que não criminaliza a política, “o que é muito perigoso pois além disso ser injusto, tem um efeito muito ruim em todos nós como sociedade, pois passamos a não respeitar o Estado, o legislativo, o Judiciário, nos restando apenas a barbárie. Estamos em um processo de paixões que nos levou a tratar todos os que estão na vida pública como não merecedores do nosso crédito”. “Acrescida uma pandemia que nos freia enquanto sociedade, criou-se um ambiente em que precisamos perguntar para onde estamos indo, qual o desejo de sociedade que queremos. A democracia sobrevive a isso? Tratar o outro como inimigo – derrotar ou subjugar – é absolutamente incompatível com a lógica da democracia. A democracia necessita da divergência para que eu possa dialogar, receber as críticas, refletir, aperfeiçoar”, observou.
LEI ANTITERRORISMO E LEI DE SEGURANÇA NACIONAL: RISCOS PARA A DEMOCRACIA
A subprocuradora Luiza Frischeisen fechou as apresentações dos membros do MPF no dia tratando do processo de substituição da Lei de Segurança Nacional (LSN) pelo Congresso Nacional e da Lei Antiterrorismo, especificamente dos riscos das duas legislações para o Estado democrático de direito.
“O tema que vou tratar é ligado a Lei de Segurança Nacional, que está em vias de ser substituída, introduzindo no Código Penal os crimes contra o Estado Democrático de Direito, tipificando determinadas condutas que atentam contra o Estado Democrático de Direito e isso é importante porque diz que o Estado pode e deve ser defendido por meio do Direito Penal”, explicou.
Luiza abordou pontos como a tentativa de limitação de direitos como o da liberdade de expressão e de crítica, além das ameaças internas e externas à democracia brasileira. “O papel do Ministério Público é fundamental, porque a nossa função primeira é a proteção do Estado Democrático de Direito. Sem isso, não tem o resto. E essa defesa não pode ser feita como um fiscal da lei, mas como autor das ações, pró-ativamente”, afirmou Luiza.
Em relação à polêmica do sistema de votação e da campanha de desinformação em curso, a subprocuradora defendeu a urna eletrônica e a vigilância permanente, pela sociedade, dos instrumentos de fragilização da democracia, como a proliferação de notícias falsas. “Hoje, temos mecanismos melhores de defesa da democracia, mas temos de ficar muito atentos, especialmente com o abuso do poder econômico. Evoluímos com o que houve em outros países recentemente, mas temos de permanecer atentos, aprender com a história e não aceitar a propaganda que foca no discurso do ódio e do outro”,
Acesse aqui a programação completa do Seminário.