A Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE), entidade de classe incumbida da representação e defesa dos interesses das carreiras que compõem a Advocacia-Geral da União vem manifestar publicamente seu apoio à conversão em lei da MP 1.160/2023, que restabelece o chamado voto de qualidade no julgamento de recursos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
De acordo com a Comissão de Justiça Fiscal da ANAFE, é importante que a sociedade compreenda que a alteração normativa visa corrigir uma distorção criada em 2020 com a conversão em lei da MP 899/2019. O CARF é um Conselho que julga recursos contra os autos de infração impostos pela Receita Federal aos contribuintes que descumprem obrigações tributárias e os julgadores estão organizados em turmas mistas de seis conselheiros, ou seja, com metade de seus membros composta de representantes da Fazenda Nacional e metade de representantes dos contribuintes.
Até 2020, em caso de empate, o presidente da Turma, que era sempre um conselheiro representante da Fazenda Nacional, tinha o voto de qualidade, isto é, desempatava. Mas depois da Lei 13.988/2020, o desempate passou a ser sempre a favor do contribuinte. Para a Comissão, é equivocado achar que o voto de qualidade desequilibrava a paridade entre fisco e contribuintes, e as razões para isso são duas.
Em primeiro lugar, o acesso ao CARF não é um direito igualmente distribuído e exercido por todos os contribuintes, ao contrário, a maioria das empresas no Brasil declara e paga espontânea e regularmente seus tributos. Os principais clientes do CARF em geral são corporações com poderes de investimento que os capacita a contratar escritórios de planejamento tributário e defesa administrativa.
De outro lado, é importante que a sociedade compreenda que os agentes públicos, inclusive os conselheiros do CARF que ocupam vagas destinadas ao preenchimento pela fazenda, agem em nome da sociedade e não do governo e têm, como todo servidor público, compromisso com a correta aplicação da Lei, são imparciais, portanto, independentemente de sua origem. Da mesma forma, devem se conduzir os conselheiros indicados pelos contribuintes, cientes de que seu papel não é promover a defesa de quem os indicou, os quais possuem recursos para contratar advogados qualificados. Devem, outrossim, contribuir com a sua visão de agentes do mercado para a correta compreensão dos fatos e gradação das penas.
Neste sentido, não há razão para se presumir, em caso de empate, que todo o processo de autuação, conduzido por servidores públicos qualificados, titulares de deveres e prerrogativas para bem cumprirem a lei, estaria equivocado ou maculado de parcialidade e que seria melhor dispensar o contribuinte do tributo ou da multa. Há sim uma situação em que as visões da administração e dos contribuintes a respeito do fato divergem e, neste estágio, deve-se presumir a legalidade da autuação e manter a cobrança no interesse da sociedade.
O segundo aspecto destacado pela Comissão de Justiça Fiscal da ANAFE decorre, em parte, do primeiro. De acordo com as normas que regem o processo administrativo fiscal, a decisão do CARF contrária à cobrança tem caráter definitivo, não podendo ser alterada pelo Judiciário a pedido da Fazenda Nacional, o oposto não. Aos contribuintes vencidos no CARF é franqueada a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário para anular a autuação. Sua situação é, portanto, sistematicamente mais vantajosa, porque a discussão administrativa não os vincula, ainda que despida dos melhores fundamentos. Por este motivo, tal como ocorre no processo penal quanto ao inquérito e à pronúncia ao júri, a dúvida ou empate deve ser resolvida pela continuidade do procedimento, de investigação ou cobrança, deixando a cargo do judiciário a palavra final a favor de uma parte ou outra.
A Comissão de Justiça Fiscal da ANAFE reconhece que todo o processo administrativo fiscal precisa passar por uma profunda reforma que atenda aos anseios da sociedade, tanto na condição de contribuinte, quanto de beneficiária dos recursos arrecadados pela atividade tributária. É fundamental a introdução e aperfeiçoamento de institutos modernos como a escrituração e declaração fiscais automatizadas, transação e arbitragem em matéria tributária, entre outros.
Os Advogados Públicos reunidos em suas associações estão cientes de seu papel nesta transformação do sistema tributário brasileiro, mas não podem compactuar com regras que, a pretexto de fazer justiça aos contribuintes, tendem a desconsiderar a seriedade do trabalho realizado por eles e pela fiscalização, invertendo a presunção de legalidade dos atos da administração em caso de dúvidas.
Por estas razões, e em respeito ao trabalho primoroso realizado pelos Advogados Públicos que defendem a posição da Fazenda Nacional junto ao CARF, a ANAFE apoia o projeto de conversão da MP 1.160/23 para reestabelecer o voto de qualidade no CARF, até que se promova uma reforma mais profunda de todo o contencioso administrativo tributário.
Brasília, 30 de janeiro de 2023.