No discurso de posse como advogado-geral da União, chamei a atenção para o fato de que a gestão que se iniciava teria um papel central no enfrentamento dos desafios impostos à democracia brasileira. Naquele momento, jamais poderia supor que, menos de uma semana depois, o país assistiria, atônito, as cenas de barbárie protagonizadas pelos criminosos que depredaram o patrimônio público, destruindo os prédios que abrigam os três Poderes da República, em Brasília.
Naquele dia, ainda com olhos grudados no noticiário televisivo que transmitia as tristes imagens, me juntei à equipe da Advocacia-Geral da União (AGU), na sede da instituição, para deliberar as medidas que poderiam ser tomadas em resposta à selvageria. Após conversar com autoridades dos Poderes e avaliar de forma ampla a situação, alinhamos as primeiras medidas jurídicas para o enfrentamento do quadro.
Ingressamos, de imediato, com uma petição na Suprema Corte, requerendo um conjunto de medidas. Nossa preocupação naquele instante era contribuir com as demais instituições públicas para que as ações hostis cessassem, e não se espalhassem para além dos locais já tomados pelos vândalos. Em paralelo, decidimos solicitar ao STF a adoção de providências com o objetivo de buscar a futura responsabilização dos radicais pelos danos causados ao patrimônio da União.
Dirigida ao relator dos inquéritos nº 4.781 e 4.874, ministro Alexandre de Moraes, a petição requereu, entre outras, a imediata desocupação de todos os prédios públicos federais em todo o país e a dissolução dos atos antidemocráticos realizados nas imediações de quartéis e outras unidades militares. Também pediu a determinação às plataformas de mídias e de redes sociais da interrupção da monetização de perfis e transmissão das mídias sociais com capacidade de promover atos de invasão e depredação de prédios públicos.
A essa primeira petição, ajuizada no próprio dia 8 de janeiro, data em que houve a invasão das sedes dos poderes, somaram-se várias outras medidas judiciais propostas pela AGU em defesa da União e da sociedade. Até o presente momento, apenas para ficar na seara da responsabilização cível, a AGU ingressou com quatro ações em desfavor de acusados de financiar ou participar diretamente dos atos antidemocráticos.
Em três dessas ações, a Justiça determinou cautelarmente o bloqueio de bens dos envolvidos para que, em caso de condenação posterior, os valores fossem utilizados para reparar o patrimônio público. Mais recentemente, requereu à Justiça Federal a conversão das cautelares em ação civil pública, com pedido para que os envolvidos sejam condenados a ressarcir a União em R$ 20,7 milhões, valor dos prejuízos até agora contabilizados em razão dos danos aos prédios do Congresso, STF e Palácio do Planalto.
Provavelmente, nenhum episódio na história recente foi mais ilustrativo para mostrar a importância de uma instituição como a AGU para o país quanto esse ocorrido no dia 8 de janeiro. Os bens jurídicos violados em razão dos ataques criminosos, assim como o fato de o patrimônio destruído ser de titularidade dos Poderes da União, não deixaram dúvidas quanto à competência da Advocacia-Geral de atuar em sua defesa. E assim, ciente de sua responsabilidade institucional e histórica, a AGU moveu-se. E o fez de forma célere, como a situação reclamava.
Passada a difícil fase inicial, a reflexão que fazemos é que a resposta dispensada a esse episódio só pode ocorrer em razão da maturidade institucional atingida pela AGU no decorrer de seus 30 anos de existência. Somente uma instituição madura e tecnicamente preparada para enfrentar momentos de crise é capaz de dar as respostas que o país necessita em circunstâncias tão adversas.
Tal maturidade é fruto do longo e dedicado trabalho de todas aquelas e aqueles que no decorrer dos 30 anos da AGU, e até mesmo antes disso, trabalharam pelo fortalecimento e pela consolidação da instituição que cumpre papel indispensável ao país.
Em artigos recentemente publicados nesta ConJur, ex-advogados-gerais da União lembraram, com exatidão e elegância, os passos que conduziram a AGU até este ponto de destaque em que ela se encontra no espectro das instituições essenciais à Justiça e ao Estado democrático de Direito.
Lembraram das dificuldades do início, em 1993, quando a Advocacia-Geral funcionava em espaço emprestado, sem membros, sem recursos. Recordaram as discussões na Assembleia Nacional Constituinte que levaram à criação da AGU como órgão responsável pela representação judicial e extrajudicial da União, absorvendo atribuições que até a então eram do Ministério Público. Mostraram também a relevância da AGU para a garantia da segurança jurídica necessária à formulação das políticas públicas garantidoras dos direitos fundamentais.
Como se vê, desde a publicação da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que criou a AGU, muito se caminhou. Estamos em todos os estados da federação, atuando nas áreas de contencioso e de consultoria jurídica. Nosso agir transversal nos torna uma das instituições públicas com maior capilaridade no país, circunstância que nos faz um instrumento relevante para a articulação interinstitucional no âmbito federal, e também no diálogo entre os entes federados, algo tão importante para a estabilidade e evolução do país.
Passados, então, 30 anos desde o início das atividades da AGU, com os importantes avanços por ela conquistados, como a instituição se prepara para o futuro? A resposta a esse questionamento passa, em primeiro lugar, pela compreensão dos desafios enfrentados pelo Brasil na atualidade. É preciso, nesse ponto, fazer também outra pergunta. Considerada a tarefa atribuída à AGU pela sociedade brasileira por meio do texto constitucional, de que maneira ela pode auxiliar o país a se aprimorar em um contexto social marcado por problemas cada vez mais complexos?
Na tentativa de responder a essa questão é que a nossa gestão à frente da AGU procurou formular as mudanças institucionais recém-implementadas, e prover os meios necessários para que a Advocacia-Geral enfrente os desafios que a ela se apresentam na atualidade e que, inevitavelmente, surgirão no futuro.
Nesse contexto é que se deu a implementação das novas unidades na Casa, a exemplo das procuradorias nacionais de Defesa da Democracia e do Clima e do Meio Ambiente. A AGU quer fazer parte do combate à desinformação deliberada que assola as políticas públicas e o funcionamento das instituições. Os atos do dia 8 de janeiro são, em grande medida, decorrentes das notícias falsas que estimulam o ódio contra os poderes e as autoridades que os representam. Não há, em tal conjuntura, espaço para omissões dos órgãos que, como a AGU, possuem o dever de defesa do Estado Democrático de Direito.
Do mesmo modo, com seu reconhecido conhecimento técnico-jurídico, a AGU tem obrigação de ajudar o país a retomar sua agenda ambiental, duramente negligenciada em tempos recentes, promovendo desenvolvimento econômico sustentável com responsabilidade social.
Em sintonia com os novos tempos e com o mandamento constitucional de promoção dos direitos humanos e da igualdade, também instalamos na AGU a Assessoria Especial de Diversidade e Inclusão. A unidade já iniciou o trabalho de promoção de iniciativas para combater desigualdades e assegurar respeito às diferenças dentro da instituição.
Na área econômica, a Advocacia-Geral contribuiu para a formulação e será parte do Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais. Recém-instituído por decreto presidencial, o colegiado terá a atribuição de aprimorar a governança do Executivo na análise de ações judiciais contra a União com potencial impacto negativo aos cofres públicos.
Outras medidas não menos importantes estão em curso. Todas atendem ao nosso compromisso de fortalecer a AGU e as prerrogativas de nossas carreiras com vistas ao futuro. Somos mais de 12 mil membros e servidores, conduzimos quase 20 milhões de processos. Atuamos em todos os foros, regiões e instâncias, com um grande e crescente volume de representação judicial.
Para cumprir nossa missão e dotar a instituição dos meios necessários à tarefa, estamos, nesse momento, fortalecendo nossos recursos materiais e humanos. Encontra-se em andamento concurso que agregará 300 novos membros à AGU. Estudamos alternativas para melhorar o padrão remuneratório do nosso corpo de servidores que também, em futuro próximo, deverá ser ampliado para garantir apoio técnico à atividade-fim da instituição.
Para assegurar o aprimoramento do nosso já competente quadro, trabalhamos para fortalecer e ampliar a Escola Superior da Advocacia-Geral da União. Na nossa gestão, a Escola deverá se tornar referência internacional em formação e qualificação na área jurídica. Por meio do estabelecimento de parcerias com instituições de ensino e pesquisa nacionais e internacionais, queremos trazer e disseminar as melhores técnicas, as mais inovadoras tecnologias e as mais adequadas práticas. Vamos incentivar o ciclo de aperfeiçoamento continuado e impulsionar um projeto de publicações especializadas em áreas de relevância para administração pública e para a sociedade brasileira.
Nessa tarefa de internacionalização qualificada das atividades da AGU, contaremos com o suporte da também recém-criada Assessoria de Assuntos Internacionais. A unidade terá a função de estreitar as relações Advocacia-Geral com os demais países, tornando-a uma instituição jurídica de referência mundial.
Além de garantir o ferramental necessário à sua atuação presente e futura, todas as ações mencionadas, associadas à transversalidade da AGU, devem colaborar para a criação de espaços de cooperação institucional com o propósito de construir uma governança integrada. Igualmente, precisam auxiliar a instituição em sua tarefa de mediar conflitos entre os diversos órgãos do Estado, e gerir os riscos jurídicos que possam impactar a efetividade das políticas públicas e do programa do governo eleito.
Como temos destacado com frequência, os membros da AGU têm, ainda, o desafio de levar segurança jurídica e as melhores soluções para os gestores, com os quais devem atuar em parceria no desenho das políticas públicas. Afinal, são essas políticas que materializam os direitos fundamentais da sociedade brasileira expressos em nossa Constituição.
No mesmo sentido, a AGU, por meio de suas e seus integrantes, deve ter papel decisivo nas ações de reconstrução da rede de proteção social, que congrega diversas instituições e iniciativas estatais, em colaboração com a sociedade civil, para redução da pobreza e da desigualdade. Do mesmo modo, precisa contribuir com a capacidade do Estado de ser indutor do desenvolvimento sustentável.
Finalmente, a AGU do presente e do futuro deve estar preparada para ser parte indissociável das atividades de aprimoramento da governança da administração pública e das instituições de Estado, colaborando diretamente com a prevenção e com o combate ao clientelismo, à corrupção e à captura das estruturas e poderes estatais por interesses privados.
Em síntese, são esses os desafios que se apresentam à AGU, e são essas as iniciativas em curso para dotá-la de todos os meios de que ela precisa para levar adiante sua nobre missão institucional. Uma missão, ressalte-se, que nesses últimos 30 anos foi muito bem conduzida por todas e todos que participaram de sua construção. Do erguimento de uma instituição que se tornou indispensável à consolidação do Estado Democrático de Direito em nosso país.
Jorge Messias é advogado-geral da União.