Desde 2010 comemora-se no 25 de maio o “Dia Nacional de respeito ao Contribuinte”, que segundo a lei tem o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte. A ANAFE, como associação da Advocacia Pública Federal que tem em seus quadros Procuradores e Advogados da União responsáveis por fazer presente o estado brasileiro diante do cidadão contribuinte, vem se somar às reflexões acerca das dinâmicas deste relacionamento em um momento de discussão do papel do estado em um cenário pós-pandemia.
A crise sanitária que assolou o planeta entre 2020 e 2021 realçou a importância da ação estatal de tipo redistributivo por meio da provisão de bens públicos, sobretudo nas áreas de saúde e renda mínima. Por outro lado, a paralisação dos negócios imposta pelas medidas de distanciamento social afetaram de forma desigual as empresas, na medida em que prejudicou mais agudamente os pequenos e médios negócios, o comércio de rua e os serviços pessoais.
As soluções para cada um dos lados da equação pareciam incompatíveis. Era necessário gastar mais com vacinas e auxílio emergencial, o que implicava arrecadar mais, de acordo com a teoria fiscal clássica, e com isso penalizar o contribuinte. Entretanto, as empresas também precisavam de auxílio para continuar existindo, produzindo, comprando matérias-primas e pagando salários, e isso tornava impensável um aumento generalizado e linear da cara tributária.
Com o dilema veio a disposição de adotar soluções heterodoxas.
Pelo lado fiscal, os olhos se voltaram para a Teoria Monetária Moderna, que reabilitava a expansão monetária como ferramenta útil para o enfrentamento da crise. O dogma de que a emissão de moeda necessariamente produziria inflação e penalizaria ainda mais o contribuinte foi superado permitindo assim a execução de um audacioso plano de renda mínima, moratória tributária e incentivos empresariais, sem aumento de tributos. Como apontam os defensores desta teoria, a expansão monetária, em si, não representa problema quando outras variáveis estão sob controle, sendo mais importante a discussão sobre o destino e propósito do gasto estatal. Durante a crise, o gasto estava justificado pela necessidade de salvar vidas e não havia pressão advinda do câmbio ou dos mercados consumidor e de trabalho que representasse risco de inflação ou desequilíbrio no balanço de pagamentos.
O outro lado do desafio foi intensificar a justiça fiscal cobrando a parte devida por aqueles que tinham condições de contribuir. Havia uma tendência de se aprovar mais um Parcelamento Especial, com o objetivo de promover a entrada rápida de recursos e reduzir rapidamente as dívidas tributárias. A Advocacia Pública via a estratégia com preocupação já que nas edições anteriores (REFIS, PAES, PAEX, L. 11941/09 e PRT) se havia constatado que estes programas não alcançavam seus objetivos, ao contrário, causavam mais desequilíbrios na medida em que devedores contumazes, que não precisavam de qualquer tipo de ajuda, viam dívidas acumuladas ao longo de anos de planejamento fiscal aniquiladas por descontos enquanto contribuintes adimplentes e devedores ocasionais eram duplamente penalizados, pela concorrência desleal do primeiro grupo e pela complexidade inerente à adesão aos programas.
A advocacia pública federal teve um papel fundamental para a solução do problema e superou os resultados já excelentes de 2021. Só com negócios jurídicos processuais, nos quais o contribuinte participa como sujeito em colaboração, e não como adversário, a Procuradoria da Fazenda Nacional resolveu litígios no valor de R$ 1,7 bilhões.
Em outro tipo de acordo, a transação tributária, foram 2,4 milhões de inscrições em dívida ativa negociadas, totalizando R$ 221 bilhões. Ao contrário dos parcelamentos, esses acordos têm como característica levar em consideração a situação particular de cada contribuinte, concedendo maiores benefícios aos que deles necessitam. Além disso, muitas das transações ocorreram em ambiente virtual, no sistema de “autoatendimento” implementado pela Procuradoria para simplificar a relação estado-contribuinte.
As Advogadas e Advogados Públicos Federais, mantiveram todas as suas atividades durante o período de isolamento, realizando atendimento de contribuintes e advogados por videoconferência, e se manifestando judicialmente por meio eletrônico para que suas ações não ficassem paradas. Em mais um esforço no sentido da administração digital e simplificada, foi lançado o chat bot da PGFN, a “IZE” para responder perguntas dos contribuintes sobre temas afetados à PGFN. Outro robô foi desenvolvido para automatizar a identificação de créditos prescritos, evitando que os contribuintes continuassem sendo cobrados e penalizados por dívidas já extintas.
Ao mesmo tempo, diversas ações foram tomadas para que as dívidas acumuladas por aqueles que cometeram fraudes, sendo desleais com a concorrência e com a sociedade fossem cobradas com rigor. Operações de combate a fraudes bilionárias foram realizadas e tiveram destaque na imprensa enquanto outras 19 mil denúncias de ocultação patrimonial foram analisadas.
Todas estas ações mostram a importância fundamental que a Advocacia Pública na promoção da justiça fiscal e como ela tem correspondido à altura do desafio, ao mesmo tempo inovando, provendo segurança jurídica e respeitando o contribuinte, tanto no lado do gasto público quanto na arrecadação tributária com justiça.
Neste momento, em que crise sanitária dá sinais de despedida e a recuperação fiscal, econômica e sobretudo do tecido social, se mostram urgentes, as questões da justiça fiscal e do respeito ao contribuinte ganham centralidade. Há várias formas de respeitar o contribuinte.
Em primeiro lugar, é preciso promover uma reforma do sistema tributário capaz de torná-lo acentuadamente progressivo prestigiando a capacidade contributiva efetiva de cada um. É necessário ter em mente que a vida moderna é complexa e a simplificação excessiva pode significar a homogeneização das relações fisco-contribuinte, prejudicando a ideia de igualdade material. Neste sentido, o segundo vetor de respeito ao contribuinte deve ser o desenvolvimento de um sistema tributário claro e estável, para não desequilibrar as relações de mercado a favor daqueles que tem maior poder de influência, e ao mesmo tempo simples de operar, mediante emprego intensivo de automatização.
Em terceiro lugar, as soluções de aproximação do fisco com os contribuintes merecem aperfeiçoamento constante. A ampliação dos meios de comunicação com a administração tributária precisa ser acompanhada de incentivos institucionais para que os atendimentos sejam eficazes, as consultas sejam respondidas tempestivamente e as decisões implementadas de acordo com a boa-fé.
Em outra direção, os meios de solução alternativa de conflitos em matéria tributária podem e devem se fortalecer com a incorporação de opções negociais que os tornem mais flexíveis. São exemplos do que se pode incorporar às transações atuais, a aceitação de formas alternativas de quitação o uso de créditos e fornecimento de bens e serviços administração. Além disso, a concessão de prazos e descontos além dos atualmente previstos pode ser instituída tendo como contrapartida a assunção de obrigações de fazer pelos contribuintes em benefício da sociedade, como já ocorre em sede penal por meio de prestação de serviços à comunidade e restrição consensual de direitos.
Enquanto isso, uma quarta linha de atuação em respeito ao contribuinte que cumpre voluntária e tempestivamente suas obrigações consiste em intensificar as ações de Combate à Fraude. É preciso que toda a sociedade e a administração, inclusive a administração da justiça, compreendam que a Fraude Fiscal onera duas vezes o bom contribuinte. De um lado, ele acaba sendo chamado a pagar uma conta mais elevada para compensar a inadimplência alheia. De outro, ele se vê obrigado a disputar negócios com concorrentes que, por não pagaram tributos, roubam-lhe a clientela e os trabalhadores mais qualificados de forma desleal. Combater a fraude é respeitar o contribuinte que paga e esse combate deve ser feito em todas as arenas, sancionando os maus e recompensando os bons contribuintes. Iniciativas como o “Nos Conformes”, da Secretaria de Fazenda de São Paulo e o “Confia” da Receita Federal do Brasil estimulam a adoção de padrões de conformidade tributária nos mercados favorecendo a concorrência e a sociedade. O Cadastro Fiscal Positivo proposto pela PGFN deve se somar a este cenário em breve, alterando critérios para a concessão de benefícios em acordos, criando meios preferenciais de atendimento e flexibilizado os expedientes de cobrança de forma a valorizar os comportamentos pretéritos e de mercado dos contribuintes.
Por fim, não se pode esquecer que o respeito ao contribuinte é também o respeito ao seu dinheiro, arrecadado sob a forma de tributos, no momento da despesa. As Advogadas e Advogados Públicos promovem esse respeito diariamente orientando os administradores públicos antes da realização do gasto, para que não o façam de forma ilícita ou temerária, podendo comprometer a saúde fiscal do estado, gerar passivos contingentes desnecessários, ou simplesmente não atingir o fim pretendido e obrigar a novas e maiores despesas.
Doze anos depois da criação da Lei 12.352/2010, o desafio de promover a justiça fiscal e o respeito ao contribuinte parecem ainda maiores. Não que tenham faltado iniciativas para prestigiá-los, mas pelo agigantamento das carências, em parte devido à pandemia e à recente guerra na Europa, mas em boa medida por más escolhas políticas que as antecederam e que foram responsáveis pela desmobilização da capacidade de atuação estatal em áreas sensíveis, pelo esfacelamento de teias produtivas e por uma política de enfraquecimento da renda e das relações de emprego. Esta não é uma data a ser celebrada, porque o que merece celebração é o sucesso das boas ideias que foram mencionadas ao longo do texto. Esta é uma data de reflexão sobre o que precisa der feito para avançar e desta reflexão a primeira certeza que se pode tirar é que as Advogadas e Advogados Públicos estarão prontos para promover o que lhes couber, e a ANAFE estará pronta para defendê-los.
Por Daniel Telles de Menezes.