O atual contexto político, de crise institucional entre os poderes, permeou a fala de todos os representantes na mesa inicial, intitulada justamente de “Os desafios das associações”. Sob a sombra da celebração do dia do Advogado, que ocorre em 11 de Agosto, todos os representantes apontaram que, para além da missão de fortalecer a classe, é imprescindível a reafirmação do regime democrático.
“Queremos colocar essa seminário, com essa temática e os temas que circundam essa discussão no calendário nacional por conta da importância de dizer algumas coisas óbvias e outras nem tão obvias. Reiterando sempre o valor da democracia institucional.”, afirmou Dr. Lademir Rocha, presidente da Anafe, que abriu o evento e a mesa.
Todos os presentes tangenciaram o tema, abordando o debate seguindo as realidades e missões de suas instituições. Nesse contexto, Rivana Ricarte, da Anadep, avaliou que, como as associações tendem a ser espaços mais progressistas que as instituições, é necessário abraçar o desafio de diversificar o corpo destas para ampliar a democratização do poder para fazer frente à novos desafios.
Respondendo à colega posteriormente, Eduardo Kassuga, da Anadef, apontou que essa é uma autocrítica necessária a todas as associações ali presentes. “Em termos democráticos a defensoria pública representa aqueles que dificilmente tem representação nos espaços de poder. Mas quantos integrantes desses estão nas nossas fileiras?”
Um exemplo dessa mudança de paradigma veio da própria Anadep, a qual Rivana preside de forma inédita junto a outra colega mulher a associação. A experiência ajudou, segundo ela, a mostrar que democracia não é a arte do consenso. “A democracia é a arte do dissenso e da construção coletiva”.
Essa construção coletiva pode ser vista na fala do representante da ANPM, que representa os procuradores da menor entidade federativa: os municípios. Gustavo Machado trouxe à tona reavaliar a própria identidade da classe e a discussão de uma das ameaças mais recentes, simbolizada pela PEC 32. A medida propõe grandes mudanças nos regimes de contratação, estabilidade e benefícios dos servidores públicos e é vista de forma negativa por muitos especialistas.
“Ela esvazia a projeção do serviço público e vai muito além de alterar nossas prerrogativas, que poderíamos contornar a longo prazo. Ela vai no seio dos direitos fundamentais, esvaziando a projeção do serviço público” opinou Machado, comentando que durante a atual pandemia de Covid-19 pode-se observar a importância do trabalho descentralizado. Nesse sentido, para ele, o Supremo Tribunal Federal (STF), com uma decisão legítima e acertada que conferiu aos estados e municípios autonomia na gestão da crise, permitiu que a situação não ficasse ainda pior.
Na instância estadual, logo acima, a preocupação era tão presente quanto. Os procuradores estaduais foram essenciais para proteção dos direitos coletivos contra casos de corrupção, principalmente na área da saúde. O representante da Anape, Vicente Braga, disse que, com o trabalho da classe, evitou-se desvios. “Nós permitimos que o gestor democraticamente eleito possa fazer sua gestão de acordo com o que determina a legislação. O povo não elege apenas o gestor, mas suas políticas também. Tudo isso passa por uma advocacia pública fortalecida”, apontou, lembrando sempre que a independência destes para os governos. “Somos advogados de Estado, não de governo”.
Dados repassados pelo representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) expuseram esse quadro de forma quantitativa. Marcelo Terto, que substituía o presidente Felipe Santa Cruz, afirmou que foram julgados, segundo dados do Anuário da Justiça, mais de 7 mil processos relacionados à crise sanitária. “Isso chamou ainda mais o poder judiciários a interferir não nas políticas públicas, mas nos limites dos responsáveis pela execução dessas políticas”.
Essa atuação ajudou a fortalecer a tensão entre os poderes. Não à toa, os recentes atritos provocados pelo Presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) contra o STF e juízes das cortes superiores também foram pautados como desafios. “Muito preocupa essa nova mania – se é que se pode chamar assim – de fazer agressões pessoais a juízes em redes sociais, jornais, colunas, só porque se deu decisão contrária a seus interesses”, avalia o juiz Eduardo André de Brito, presidente da Ajufe.
“Não podemos normalizar coisas que não podem ser normalizadas”, pontuou Ubiratan Cazzeta, da ANPR, seguindo a preocupação do colega. Para o procurador, de um conjunto de entidades fracas não é possível sair um Estado de direito forte e que garanta direitos a todos, especialmente em um país com uma democracia tão jovem. “Nesse contexto eu lembro de uma fala do [então vice-presidente] Pedro Aleixo [no contexto da decretação do AI-5]: que se preocupava não com a interpretação da mais alta autoridade, mas do guarda da esquina”.
Ao fim da rodada, todos indicaram que há esperança na solidez da estrutura institucional do judiciário brasileiro, ainda que sob ameaças do que Rivana chamou de uma ação proposital de “dividir para conquistar”. Nesse sentido, a união, respeitando as diferenças, é avaliada como essencial. “A democracia começa em todos nós”, complementou o representante da Ajufe.
O presidente da Anafe, Lademir Rocha, finalizou a mesa pedindo o resgate do amor pelo que é público. “Não há cidadania e democracia possível sem serviços públicos universais que cumpram os requisitos de integralidade, equidade e universalidade”.
Você poderá acompanhar a transmissão do seminário até a próxima sexta-feira pelo Congresso em Foco ou pelo canal da TV Anafe no Youtube. A participação no evento é gratuita. Participantes receberão certificado de presença ao final do seminário.