Embora tenha chegado à administração pública para ficar, o uso de tecnologia ainda traz diversos desafios aos servidores. Entre eles, mecanismos de controle para as ferramentas de inteligência artificial e a regulamentação do teletrabalho, que ganhou força com a pandemia do novo coronavírus mas ainda é fonte de dúvidas e questionamentos. Esses dois temas foram discutidos durante o 5° Congresso Nacional de Advogados Públicos Federais (CONAFE).
Um sinal dos tempos de que, muitas vezes, a adaptação precisa ser tempestiva, é que, devido à situação da Covid-19, em 2020 o Conafe foi inteiramente virtual. O tema esteve em sintonia com o momento: Advocacia Pública Digital. Um dos painelistas do evento, Marcello Terto e Silva, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da Comissão Nacional de Advocacia Pública da entidade, destacou o caráter cada vez mais acelerado das mudanças.
“Todos os dias temos que nos adaptar para não nos tornarmos obsoletos e desnecessários no sistema. Imagine se uma função de Estado se torna desnecessária, tudo [passa a ser] julgado pela máquina?”, questionou. Para evitar isso e garantir um atendimento justo aos cidadãos, disse a tecnologia precisa ser “sindicável”, ou seja, deve haver mecanismos de controle.
“É preciso reconhecer alguns padrões e referências de código para que haja o mínimo de controle na utilização da ferramenta. Não temos que ter medo dos avanços tecnológicos. Temos que aplicar nosso conhecimento e gerenciar esse conhecimento e toda a base de dados”, defendeu. Terto assinalou ainda que a administração deve sempre respeitar direitos e garantias fundamentais.
“Existe a lei geral de proteção de dados para limitar os atores e agentes que têm acesso a essa base de dados. O Estado também se submete a alguns limites dessa natureza. Muito do que ele acessa, é preciso que assuma um compromisso, porque diz respeito a garantias e direitos fundamentais, à intimidade das pessoas. A relação com os administrados deve respeitar e se amparar nos direitos fundamentais”, afirmou.
Marcelino Rodrigues, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE), organizadora do CONAFE, corroborou a importância de conhecer e controlar os mecanismos de inteligência artificial que lidam com a coisa pública. “Hoje, as máquinas não criam só fatos administrativos, elas criam atos administrativos. Algoritmos já são utilizados por tribunais. Nós precisamos conhecer esses algoritmos. Ter um controle, um conhecimento dessa questão, pois influencia diretamente o trabalho que é realizado”, declarou.
Teletrabalho
Terto e Rodrigues debateram ainda os modelos de teletrabalho e home office, que se tornaram mais intensivos no serviço público devido à crise sanitária. O home office é o trabalho fora do ambiente do escritório em caráter eventual. Já o teletrabalho implica uma situação permanente.
“Se via com muito preconceito o teletrabalho. ‘Ah, isso é coisa de quem não quer trabalhar’. O próprio judiciário tem uma experiência recente. No plano do regime de trabalho, as atividades jurídicas são perfeitamente adequadas e adequáveis a este ambiente de teletrabalho. Sabemos que a nossa produtividade aumentou até porque nós, da advocacia, é que lidamos com prazos no dia-a-dia”, comentou Marcello Terto e Silva.
Marcelino Rodrigues destacou que pandemia acelerou a implantação do trabalho remoto e derrubou o mito de que é necessária a presença física para assegurar produtividade. “A pandemia antecipou um movimento que talvez fosse levar uns cinco anos para ser implementado ao todo. Derrubou muitos mitos, o mito do teletrabalho. Não só dentro da administração pública, mas o mito da cultura de trabalho brasileira, de que, se você não está no local, não está produzindo”, disse.
Ao mesmo tempo, afirmou, as novas formas de trabalho criaram novas necessidades, inclusive a de regulamentação. “Um desafio que a gente tem hoje é saber lidar com essa situação. Muita gente foi colocada nesse teletrabalho de uma hora para outra, tem a questão do suporte, internet, condições de trabalho, a própria carga de trabalho que aumentou bastante nesse período”, comentou.
O procurador federal Pedro Leal coordena desde antes da pandemia uma iniciativa de trabalho remoto na Advocacia-Geral da União: as Equipes de Trabalho Remoto em Benefícios por Incapacidade (ETRs-BI). Ele apresentou dados sobre a experiência, uma das mais bem-sucedidas da administração pública. “São equipes que têm entregado, ano a ano, os melhores resultados de contenciosos da PGF. Sempre figuram entre os mais elevados da nossa instituição. Entre os top 5 do ano passado, três eram ETRs-BI”, informou Leal, que acredita que, devido às experiências prévias, a AGU estava preparada para o teletrabalho quando veio a pandemia.
Inovação a serviço da saúde
Os benefícios da tecnologia, no entanto, costumam compensar os percalços. Com a Covid-19, não foi diferente. Em meio ao drama da pandemia, foi graças à expertise dos melhores profissionais do serviço público que o Brasil garantiu não somente a vacina contra o novo coronavírus para os brasileiros, mas que o país passe a ser detentor de tecnologia para produzi-la.
Em participação no 5° Conafe, o secretário especial adjunto de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Bruno Monteiro Portela, relatou como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) firmou um contrato histórico, com a participação da AGU, que emitiu parecer relativo à Lei n° 10.973/2004, a Lei de Inovação Tecnológica, que permite que o país invista em pesquisa e desenvolvimento de soluções que ainda não existem no mercado, assumindo o risco de essas pesquisas não darem certo.
Graças à lei, foi possível firmar contrato de encomenda tecnológica para desenvolvimento da vacina de Oxford, desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela empresa AstraZeneca. A procuradora-chefe da Fiocruz, Deolinda Vieira Costa, integra a comissão de acompanhamento do contrato.
“É um dos pareceres e contratos mais importantes da história da AGU e do país, não do ponto de vista do valor, mas pela relevância de a gente usar o poder de compra do Estado para adquirir inovação. Usamos uma legislação que nenhum país da América Latina possui. Os outros países recorrerão a consórcios para comprar vacinas, mas nenhum deles pode comprar inovação, o desenvolvimento da tecnologia, que foi o que a gente fez com a Oxford e a Astra Zeneca”, disse.