O Jornal Valor Econômico publicou, nesta sexta-feira (23), artigo escrito por dirigentes da ANAFE.
VEJA O ARTIGO NA ÍNTEGRA:
Interesse público versus disputas corporativas
Imagine que você é um CEO de uma grande empresa e que tem a possibilidade de racionalizar os gastos e melhorar o fluxo de trabalho de sua companhia. Para isso, decide unificar suas sedes e colocar seus funcionários para trabalhar em conjunto. A ideia é que, pensando em sintonia, eles buscarão a melhor solução para os desafios que são apresentados no dia a dia. Uma parte diminuta destes, entretanto, temendo perder espaço nas decisões da empresa e o corte de certos privilégios, tenta colocar todos os obstáculos possíveis para que isso ocorra, inclusive por meio de fofocas e mentiras sobre sua iniciativa.
É exatamente este o contexto das afirmações inverídicas que envolvem o PLP nº 337/2017, encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional para inserir formalmente a Procuradoria Geral Federal e a Procuradoria Geral do Banco Central na Lei Complementar da Advocacia Geral da União (LC nº 73/1993).
O projeto, que tramita em regime de urgência, vem, na verdade, com um atraso histórico de quase 30 anos, pois o artigo 29 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinou que seria aprovada uma lei complementar para o Ministério Público e outra para a Advocacia Geral da União, que alcançaria a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, as consultorias jurídicas dos ministérios, as procuradorias e departamentos jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das procuradorias das universidades fundacionais públicas.
Não há qualquer linha deste projeto no sentido de dar superpoderes ao Advogado Geral da União. Aliás, em nada altera suas competências. O projeto tem como base o processo de racionalização de estruturas físicas da AGU, que no modelo atual representam dispêndio do dinheiro do contribuinte para custear órgãos federais que estão incumbidos da mesma missão: prestar consultoria e assessoramento à União, bem como representá-la judicial e extrajudicialmente.
Uma minoria crítica ao projeto tem dito que a alteração na lei orgânica dará ao chefe da AGU o poder de anular multas e punições, acusação desleal e leviana. Não há previsão constitucional para que o ocupante deste cargo interfira na independência regulatória.
Mas antes de adentrar neste mérito é preciso explicar que a União tem suas emanações nas autarquias e fundações federais, que se vinculam a Ministérios e que, por consequência, têm o poder de supervisão sobre eles. Ao fim e ao cabo, o Ministério é quem alinha a atuação da autarquia dentro do programa de governo. À AGU cabe apenas dar a opinião jurídica e, nessa qualidade, dirimir os conflitos jurídicos que surjam no Poder Público federal.
A gestão é uma competência totalmente distinta, que foi bem separada pela Lei nº 13.327/2016, quando diz que o advogado público não se responsabiliza por suas manifestações, exceto se estas forem proferidas com dolo ou fraude. E isso é assim porque não existe o “crime de hermenêutica”. Fora da Advocacia Geral da União, ou seja, no âmbito dos órgãos assessorados, a atividade jurídica é meio, e não fim.
O modelo de procuradoria única, que vem sendo tão injustamente atacado, já é uma realidade conhecida há longa data em muitos Estados, em que seus procuradores advogam para a administração direta e indireta. No entanto, não se coloca a pecha nos procuradores gerais, que são o cargo equivalente ao de advogado geral da União nos Estados, de concentração ou de superpoderes.
Apesar de travestidas de um suposto interesse na preservação da autonomia das autarquias e fundações federais, as manifestações contrárias à atualização da Lei Orgânica da AGU são, na verdade, meramente corporativas. Têm a ver, unicamente, com a ocupação de cargos comissionados nas estruturas da administração direta.
Os responsáveis por tais afirmações temem ainda, sem qualquer fundamento, perderem espaço corporativo, uma vez que procuradores federais e do Banco Central passariam a ter prerrogativas no âmbito da instituição, como o direito ao voto nas reuniões do Conselho Superior da AGU. No entanto, os membros destas duas importantes carreiras jurídicas almejam não somente a sensação de pertencimento, uma vez que já participam de toda a estrutura da Advocacia Geral da União, mas a certeza de que estão inseridos formalmente na Lei Orgânica.
Como membros de uma associação que reúne cerca de 3,6 mil procuradores federais, do Banco Central do Brasil, da Fazenda Nacional e Advogados da União, nos posicionamos favoravelmente ao projeto. Dizemos isto como membros destas carreiras e que conhecem o funcionamento da instituição. Jamais teríamos tal posicionamento se esta inciativa tirasse a autonomia de nossos associados ou dos órgãos que eles representam.
Os responsáveis por difundir tais mentiras sequer representam os membros das carreiras ou mesmo os órgãos que clamam proteger. Foram, inclusive, contrários à criação da Procuradoria Geral Federal. Falam por si mesmos e por motivos que nunca guardaram relação com o interesse público. Aliás, que interesse público pode haver na manutenção de uma estrutura menos racional?
Os argumentos falaciosos são tão frágeis que jamais ocorreu o questionamento da constitucionalidade do projeto. Portanto, usar a imprensa para tentar, no grito, minar o processo democrático que baliza a tramitação da proposição, uma vez que o PL ainda está em discussão no Legislativo, local apropriado para o debate do mérito e da constitucionalidade, revela-se ato de desespero de uma minoria que não consegue demonstrar que interesse republicano existe em sua demanda.
As críticas, portanto, são infundadas e na verdade refletem apenas o desejo da manutenção de privilégios e de uma estrutura em que carreiras com atribuições análogas que se sobrepõem às outras. Também de um gasto de dinheiro público que poderia ser evitado em uma estrutura mais enxuta e ágil. A população brasileira merece uma Advocacia Geral da União moderna. O PLP nº 337/2017 será apenas o começo.
Marcelino Rodrigues é presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE)
Rogério Filomeno Machado é vice-presidente da ANAFE
Ricardo Marques é assessor da presidência da ANAFE