“Se eu devo me apoiar em alguém, mas esse alguém depende de mim, eu não estou me apoiando em ninguém.”
Eram quase 21h quando o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello iniciou a palestra de abertura do VI Encontro Nacional de Advogados Públicos Federais. Discursou à vontade, ao mesmo tempo formal e coloquialmente, para uma plateia formada por advogados, procuradores, defensores públicos, ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, jornalistas e estudantes. Falava como que para uma roda de amigos. Os olhos do público, fixos no renomado autor de livros de Direito Administrativo, deixava claro o sentimento geral: admiração.
“Meu tema é óbvio. Absolutamente óbvio. Salta aos olhos”, atirou Bandeira de Mello, que tratou de “A autonomia e a exclusividade da atividade consultiva e de assessoramento jurídico do Poder Executivo a membros concursados da AGU e os reflexos na prevenção à corrupção”.
Disse o professor: “Como um parecer jurídico é um parecer de natureza técnica, emitido um parecer, o agente público que se comporta na conformidade daquele parecer, está livre de qualquer punição.” E arrematou: “Se o parecer diz o que não pode ser feito, e alguém faz o que o parecer disse que não poderia ser feito, terá cometido ilegalidade”.
De acordo com Bandeira de Mello, a função dos pareceres é a de iluminar e aconselhar os órgãos da Administração ativa. O pressuposto para tanto é o de que o gestor público não exerça nenhuma influencia sobre quem emitiu o parecer. “Isso explica porque certos maus administradores se cercam de cargos em comissão para alcançar alicerces ao seu prazer.”
Diz o jurista: “Quem atua com base em um parecer jurídico dado por alguém que está em cargo em comissão não tem nada. O parecer não vale nada. Se eu devo me apoiar em alguém, mas esse alguém depende de mim, eu não estou me apoiando em ninguém. A regra no serviço público é o concurso público”.
E continuou o professor: “A mim, me parece óbvio que se tem de prestigiar o Serviço Público. Como dizer que o serviço público morreu… e encher o serviço público com gente de fora com o argumento de que são melhores? Quando eu vejo contratar advogados para quaisquer tarefas, eu digo: será que essa gente não sabe que os grandes vieram do serviço público? Os grandes administrativistas brasileiros foram formados no serviço público brasileiro.
Aposentadoria integral evitaria corrupção
Bandeira de Mello destacou uma garantia fundamental do servidor público: a estabilidade. E lembrou de outra, “infelizmente banida da órbita jurídica”: a aposentadoria integral. “Era o que atraía para o serviço público. A aposentadoria integral assegurava que o servidor não se corrompesse.” Para o palestrante, a insegurança com relação ao futuro abre as portas para “maus pensamentos”, para o desejo de fazer “um pé de meia”.
Afirmou Bandeira de Mello: “Não há maior estímulo que esse, o qual infelizmente foi feito. Ora, se estamos falando em combate da corrupção, não podemos deixar de tratar da aposentadoria integral.”
Vivemos numa farsa de democracia
Bandeira de Mello considera óbvio que o advogado que dê parecer tenha autonomia e independência. “Isso ajuda a combater a corrupção? Claro que ajuda. Mas vai acabar com a corrupção? Não. Nós não vamos mudar isso com leis, mas com educação.” O palestrante lembrou de um grande jurista que dizia: “sem consciência política não há democracia”. Para Bandeira de Mello, nós vivemos numa farsa de democracia. “Pergunta para quem mora embaixo de um viaduto de São Paulo, maior metrópole do Brasil, se ele vive em uma democracia”, provocou o professor.
E terminou a palestra reforçando que só com educação é que se estará prevenindo e combatendo a corrupção. “Quando dermos um grande impulso na educação, a corrupção vai diminuir. Afinal, quando a sociedade sobe de nível, tende a aprimorar seus costumes. E se nós quisermos melhorar a educação, temos que começar hoje. Tenho confiança que o Brasil já melhorou muito. Vai melhorar muito mais.”