Palestra “Os quilombos e as práticas da liberdade: constitucionalismo e antirracismo” ocorreu nessa quinta-feira (13).
No dia 13 de maio, dia em que foi assinada a lei Áurea, oficializando a libertação dos escravos, foi marcado por um reflexão crítica da ANAFE sobre a data. Com o objetivo de discutir a importância da luta da população negra para efetivar seus direitos no sistema jurídico brasileiro, tendo como parâmetro a insurgência quilombola diante da opressão racial, a Comissão de Diversidade da Associação debateu, nessa quinta-feira (13), a Lei Áurea na perspectiva quilombola. O evento contou com a presença dos palestrantes Paulo Pereira, Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e Rodrigo Portela, Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, na linha de pesquisa Constituição e Democracia: Teoria, História, Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional.
“Desejamos uma sociedade mais justa e plural e assim escolhemos esse dia para uma conversa. Data que ficou registrada oficialmente como a Abolição da Escravatura no Brasil, mas não é um dia para ser comemorado, porque não houve qualquer reparação ou integração da população que deixou a condição de escravizada, mantendo-se excluídos do processo social. Precisamos falar sobre isso e ecoar essas vozes”, afirmou a mediadora do evento, Manuela Mehl, Procuradora Federal e integrante da Comissão de Diversidade da Associação.
“Quando nos preocupamos com as questões do racismo começamos a nos deparar com todas essas questões que poderiam ter sido resolvidas de uma maneira melhor com a abolição da escravização do povo livre africano, conduzido a força para trabalhos em condições das piores possíveis e depois, uma vez, pensando que livres seriam, não tiveram qualquer apoio para a inclusão social. O dia de hoje marca uma nova era sobre como se enfrentar o problema do racismo”, completou Fernanda Cimbra Santiago, Procuradora da Fazenda Nacional e Cofundadora do grupo “PGFN de Todas as Cores”.
No começo de seu discurso, o palestrante Paulo Pereira relembrou a famosa música de João do Vale: “Dizem que acabou a escravidão; mas pra mim não; mas pra mim não; mas pra mim não”, afirmava o artista. Para Paulo, a data pode ser resinificada no sentido de refletir sobre os efeitos da escravidão na sociedade brasileira. “O papel do direito em relação a esse momento pós abolição é importantíssimo. Essa data representa uma reflexão para a inconclusão da democracia, pois enquanto não houver inclusão da população negra, não falaremos em democracia”.
Pereira comentou sobre a omissão do direito, que se silenciou sobre os efeitos pós abolição. “Procuraremos evidenciar como o direito constitucional tem sido omisso em discutir as questões jurídicas decorrentes da abolição da escravidão, o que gerou a desconstitucionalização (invisibilização de direitos no plano constitucional) de tais sujeitos. Ao contrário do que se diz, de forma equivocada, a população negra sempre teve uma agência de direitos, muitas vezes fora da institucionalidade”, explicou.
Ainda segundo o palestrante, a questão quilombola evidencia que tais sujeitos foram protagonistas no Brasil e nas Américas para a formulação e nomeação dos direitos à liberdade e à igualdade e foram fundamentais para fissurar e colapsar o sistema escravista. “Entretanto, a contribuição quilombola para o sistema jurídico, longe de ser algo do passado, é algo que permanece no presente e, ainda apresenta soluções para os problemas constitucionais brasileiros no futuro, já que esses sujeitos, igualmente, são fundamentais para se efetivar a democracia no Brasil”, afirmou.
Rodrigo Portela, também palestrante no evento, reforçou a importância de diálogos como os propostos na contribuição para enfrentar o silenciamento de demandas raciais. “A disposição para o diálogo e para o incomodo que aqui colocamos já é motivo de comemoração”, celebrou.
“É necessário ter como compreensão do constitucionalismo a luta pelo direito, pela vida. Essa simplificação é importante para a reflexão. Podemos observar na nossa experiência recente uma experiência não reivindicada no quilombo. Se tivermos o cuidado de observar essa história podemos defender o argumento de que existe uma matriz jurídica na nossa constituição de defesa da vida quilombola”, completou.
Para Portela, a denúncia sobre o que significa o dia 13 de maio não é contemporânea, mas sim, algo que existe há muito tempo. “Muito mais do que pensar a agência negra de forma articulada, talvez tenhamos que tomar dimensão da existência negra da forma como o Paulo pontuou: complexa e plural.”
Conheça os palestrantes
Paulo Fernando Soares Pereira – Pós-doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional (PUC/Rio). Doutor em Direito (UnB). Mestrado em Direito (UFMA). Graduado em Direito (UFRR).
Rodrigo Portela Gomes – Professor Substituto na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, na linha de pesquisa Constituição e Democracia: Teoria, História, Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional (fonte: https://brasilia.academia.edu/RodrigoPortelaGomes).
Mediadoras
Manuela Lacerda Rocha Mehl – Procuradora Federal, Representante Estadual da ANAFE no Rio de Janeiro, integrante da Comissão de Diversidade da Associação
Fernanda Cimbra Santiago – Procuradora da Fazenda Nacional e Cofundadora do grupo “PGFN de Todas as Cores”.
Assista o evento na íntegra: