Esta é mais uma iniciativa da Entidade como forma de reafirmar seu compromisso com a agenda de gênero, raça e sexualidade no debate público.
Com uma rica palestra ministrada pelo professor da FGV Direito SP Thiago de Souza Amparo, nessa terça-feira (23), a ANAFE lançou a Comissão de Diversidade da Associação. O debate com o tema tema “Interseccionalidade – Raça e Sexualidade” contou com a mediação da Diretora de Assuntos Institucionais da Associação, Patrícia Rossato, e do representante estadual em São Paulo Leandro Marques. Além deles, participou como debatedor o Procurador Federal associado Antonio Pedro Ferreira da Silva.
Ao início da palestra, a Diretora de Assuntos Institucionais afirmou que a live concretiza a instalação da Comissão da diversidade da ANAFE, com objetivo de trazer para dentro da Entidade o debate e as ações voltadas à visibilidade, à representatividade de grupos minoritários e ao combate de qualquer forma de discriminação, seja em razão da cor, orientação sexual ou deficiência.
“A ANAFE, assim, assume o compromisso real com essas pautas, que ao final, são expressões máximas de uma democracia saudável. Vamos trazer assim, a atuação que se espera de um ente com responsabilidade social. Registro aqui a minha felicidade e orgulho de fazer parte desse tipo de ação da nossa associação”, afirmou Rossato.
A apresentação do palestrante ficou a cargo do representante estadual em São Paulo Leandro Marques, que enalteceu a atuação de Thiago Amparo em questões de gênero e étnico-racial, inclusão de pessoas com deficiência e promoção dos direitos LGBTQI+.
Ele destacou a apresentação pela Advocacia-Geral da União (AGU) dos embargos de declaração sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou, no ano passado, a criminalização da homotransfobia com aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989). O representante da ANAFE explicou como o ato afetou a comunidade LGBTQI+ como um todo e, em especial, nos membros da AGU, por ter vindo da própria Instituição.
Segundo Leandro Marques, na ocasião, buscaram um caminho Institucional e não encontraram uma resposta satisfatória. Então, houve debate em outras plataformas relacionadas à temática e a outros eixos, como racismo. “Ainda vamos promover muitos debates para congregar as minorias da nossa associação, como as pessoas com deficiência – PcD, por exemplo. É preciso continuar a luta, mesmo diante desse momento tão difícil de adversidade.”, concluiu.
O palestrante Thiago Amparo afirmou que a ideia era de tentar trazer a reflexão sobre esses diversos mundos. “Falar sobre o tema que discutiremos hoje também força para que a gente mude nosso olhar, reconheça e lute contra banalidades de diferentes modos, seja pela pandemia, por violência ou por outras questões.”
Em seguida, parabenizou a iniciativa da ANAFE por tratar do tema. “Isso é essencial para termos um mundo mais equânime”, destacou complementando o desafio enorme de falar um pouco sobre raça, sexualidade, LGBTQUIA+, cidadania: intersecções.
Iniciando o tema, Amparo realizou a provocação, perguntando sobre “quando pensamos em alguém LGBTQUIA+ em quem você pensa? Você pensa em pessoas lésbicas, bissexuais, LGBTS com deficiência, pessoas trans? É importante reconhecermos essa multiplicidade e representativa”.
ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO
O professor apresentou os conceitos básicos sobre orientação sexual, que é a capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero, assim ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexual com essas pessoas. Já identidade de gênero, segundo ele, é experiência interna e individual do gênero de cada pessoa profundamente sentida, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento.
INTERSECCIONALIDADE
Ao explicar o termo, o professor apresentou a definição de Carla Akotirene: “A interseccionalidade nos permite a partir da avenida estruturada pelo racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, em seus múltiplos trânsitos para revelar quais são as pessoas acidentadas pela matriz de opressões”.
“As nossa vivencias muitas vezes são atravessadas por diferentes intersecções e opressões de diferentes matrizes de perspectivas que podem atingir de diversas formas e experiencias”, afirmou Amparo.
MARCOS DOS DIREITOS
Com uma linha histórica, o especialista concluiu que muitas vezes há uma hierarquia primeiro concebidos para direitos concedidos primeiro para grupos específicos. Como o ganho de direitos é desigual e a importância de lutar por avanços.
PUNIÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO NO BRASIL
Para o professor, apesar dos dispositivos como a Lei 7716/89, há uma omissão inconstitucional especificamente do parlamento em garantir punição a pessoas que cometem homotransfobia. Não há uma legislação específica e isso mostra a dificuldade de colocar em pauta e garantir Direitos a pessoas LGBTs no Brasil.
Ele apresentou os dilemas da Lei 7716/89 e a primeira Lei Antirracismo e democracia racial brasileira nº 1.390: democracia racial com ineficácia legal. “A gente também percebe que há uma discussão sobre racismo reverso no Brasil que não existe e que muitas vezes se dá num contexto com falta de clareza conceitual. Racismo é sistema de opressão historicamente determinado de um grupo em relação a outro.”
Outros pontos como história e raça, o que significa ser negro no Brasil, classificações raciais utilizadas nos censos nacionais no brasil, preconceito de ter preconceito, raça estrutura classe, especificidades do racismo no Brasil, história do movimento negro, Estatuto da Igualdade Racial, Lei de cotas, dificuldades das ações afirmativas, meritocracia e racismo estrutural também foram abordados por Amparo.
Com uma imagem, ele mostrou que essa intersecção e essa busca por cidadania de pessoas negras, LGBT não é só teórica. “É algo real e existem muitas pessoas que estão nessa intersecção, que são de extrema importância quando falamos da questão de cidadania, de construir um País que tenha lugar para todos e todas.”
O Procurador Federal associado Antonio Pedro Ferreira da Silva elogiou a exposição do professor e trouxe algumas provocações. “É necessário que o Estado brasileiro reconheça essa pluriversalidade do existir. O Estado está aqui para nos proteger, mas ele precisa estar preparado para assumir esse papel e dar conta de toda essa pluriversalidade”, ressaltou.
Dentre as temáticas, o Procurador Federal elaborou questões sobre cidadania, discussão ideológica acerca das teorias de gênero e raça, sobre como instrumentalizar juridicamente a lente de análise que é a intescecionalidade para efetivar as políticas públicas, quais os caminhos para superar as barreiras e, por fim, lançou uma questão articulando os privilégios e o pacto narcísico da branquitude, citando a professora Cida Bento.
Amparo expôs sobre as indagações apresentadas e, com olhar positivo sobre a educação nesse sentido, afirmou que “Ainda acho que se sentarmos e conversamos vamos perceber que temos muito mais coisas em comum do que coisas que nos separam e isso é importante em qualquer discussão e faz parte da ideia de cidadania.”
Assista à live completa: