Em entrevista ao Portal JOTA, o diretor de Ética e Disciplina da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), Vilson Marcelo Malchow Vedana, afirma que entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) de responsabilizar advogados públicos pelo conteúdo de suas manifestações fragiliza a atuação da Advocacia Pública no controle prévio de legalidade nos Atos da Administração.
Veja abaixo a íntegra da publicação no JOTA:
Advogados públicos questionam jurisprudência do TCU
Integrantes da Advocacia-Geral da União se queixam do entendimento da AGU de responsabilizar advogados públicos por conduta culposa
A jurisprudência firmada no Tribunal de Contas da União (TCU) em relação à possibilidade de apenar advogados públicos por conduta culposa (sem intenção) tem incomodado profissionais que trabalham na defesa judicial do Estado. Integrantes da Advocacia-Geral da União e de associação ligada ao órgão afirmam que o entendimento do TCU tem deixado a categoria receosa para cumprir um de seus principais ofícios: assinar pareceres técnicos. O temor, segundo eles, é pelo fato de correrem o risco de, mais tarde, responderem solidariamente como o gestor responsável por um eventual mal feito.
Em diversos casos, o tribunal seguiu essa linha, como no julgamento em que foi aplicada uma multa ao ex-prefeito de Rio dos Bois (RJ) devido a irregularidades no recurso repassado pelo governo federal para o município. O chefe do Executivo da cidade na época, Manoel Neto, teve de ressarcir R$ 100 mil ao erário e Manoelina Medrado, integrante da AGU e então consultora jurídica do Ministério do Turismo, que liberou a verba, foi multada em R$ 15 mil. Ela alegou que, ao advogado público, compete verificar a existência dos requisitos jurídico-formais, não lhe cabendo emitir juízo de valor acerca da conveniência e oportunidade de determinado ato administrativo.
Os ministros, porém, concordaram que, em contextos como este, o TCU adota há décadas o entendimento segundo o qual o parecer jurídico “não se trata de ato meramente opinativo, mas serve de fundamento ao posicionamento adotado pela autoridade competente, razão pela qual seu emitente deve ser responsabilizado pelo conteúdo da manifestação”. O caso foi relatado pelo ministro-substituto André de Carvalho.
Advogados público, no entanto, reclamam que, de uns anos para cá, essa jurisprudência ganhou força e passou a ser aplicada com mais frequência. No caso de Medrada, a corte de contas afirmou que era “exigível conduta diversa daquela adotada, uma vez que ela tinha o conhecimento da necessidade de que fosse observada a correlação temporal entre as etapas de execução física do objeto e os repasses dos recursos, consideradas as circunstâncias que a cercavam”.
O diretor de Ética e Disciplina da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), Vilson Marcelo Vedana, sustenta que as decisões do TCU devem ter caráter exclusivamente administrativo, adstritas à fiscalização contábil e orçamentária, e não jurisdicional. Além disso, ele afirma que, na esfera administrativa, o erro do servidor deve ser apurado pelos respectivos órgãos correcionais ou disciplinares – no caso, a corregedoria da AGU — e que só se admite a responsabilização por órgão externo caso haja dolo ou fraude, conforme a Lei 13.327/2016.
Advogados públicos também alegam que o artigo 71 da Constituição dá ao TCU a competência para “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta e as contas daqueles que deram causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte prejuízo ao erário”. Assim, só caberia ao tribunal apreciar casos de quem esteja na condição de responsável por recursos públicos, o que não ocorre com advogados públicos.
Vedana defende que cabe ao advogado público fixar interpretações jurídicas de normas legais e uniformizar o entendimento a ser seguido pelos órgãos da Administração Pública Federal, não havendo previsão para integrantes do órgão ordenar despesa ou gerenciar bens e recursos públicos. “A responsabilização por órgãos externos fora das hipóteses legais e sem a observância das competências constitucionais acaba por fragilizar o próprio exercício da função de controle de legalidade atribuída ao advogado público, causando potenciais prejuízos à defesa do Estado e à adequada execução das políticas públicas”, afirma.
Integrantes da AGU citam, ainda, a Lei Complementar 73/1993, que disciplina os trabalhos da AGU, e a Medida Provisória 2229, que também trata do tema, que preveem a competência da corregedoria da AGU para apurar a conduta de advogados públicos, sob normas, inclusive disciplinares, da lei orgânica da instituição. Além disso, lembram que o entendimento tem repercussão na atuação das procuradorias estaduais e municipais.
“Essa prerrogativa visa proteger a independência funcional e a autonomia técnica inerentes à atuação do advogado público e necessárias para que tais profissionais possam exercer adequadamente o controle prévio da legalidade dos atos administrativos, coibindo abusos e desvios”, explica o membro da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais.
Os advogados se queixam que esse entendimento no TCU vem se fortalecendo e sendo mais recorrente. Nos votos sobre o tema, porém, os ministros do TCU destacam que esta é uma jurisprudência antiga. O ministro Vital do Rêgo, ao analisar o uso indevido de um repasse do governo federal para a Prefeitura de Campo Grande, em que um advogado também teve de pagar multa, defendeu que os “profissionais devem, sim, dependendo do caso, responder solidariamente com o gestor público”.
Ele explica que em 1996 o tribunal tomou a primeira decisão nesse sentido, reafirmada em 2000. “Nessa oportunidade (1996), esta Corte de Contas veio efetivamente a aplicar a sanção prevista no artigo 58 da Lei 8.443/1992, a procurador autárquico do FNDE, devido à emissão de parecer jurídico mediante o qual atestou a regularidade de cláusula contratual que previa a possibilidade de subcontratação em contratação decorrente de dispensa de licitação”, argumentou.