A remuneração do funcionalismo público tem despertado debates acalorados, disputas entre categorias, em meio à discussão de contenção de despesas e corte de gastos, num contexto em que o país precisa recuperar a capacidade de investimento em seu orçamento fiscal.
O professor José Afonso da Silva, há muito tempo, alerta sobre essa oscilação legislativa, criticando que “a má política de recursos humanos de todos os níveis de governo possibilitou enormes distorções no sistema remuneratório do serviço público, de tal sorte que alguns servidores, por diversos meios, legais até, ou mesmo na via judicial, obtiveram vencimentos muito acima da média do funcionalismo, enquanto a massa dos servidores públicos sempre esteve mal remunerada. Em consequência dessas distorções, os governantes, em vez de implementar uma política de pessoal condizente com o interesse público, passaram a buscar mecanismos para tolher esses abusos de uns poucos. Com isso se vão enxertando na Constituição minúcias regulatórias despropositadas, e nem sempre eficazes enquanto perdurar essa desastrosa política de recursos humanos no serviço público”[1].
Existem alguns poucos exemplos bem sucedidos na legislação, como os honorários dos advogados públicos, a gratificação pelo acúmulo de jurisdição do Poder Judiciário ou a gratificação por acúmulo de ofícios no Ministério Público, que são umas das poucas formas de remunerar um profissional de acordo com o mérito, quando acréscimos remuneratórios são acompanhados de ganhos de produtividade.
O subsídio é parcela única. É justamente por isso que todas essas parcelas são constitucionais.
Com efeito, parcela parte de um todo. Parcela única é, portanto, expressão rebarbativa[2], pois uma parcela nunca poderia ser única.
O subsídio é único no sentido de ser a parcela paga em valor fixo, com habitualidade, como contraprestação ao trabalho, que é fixada para atender necessidades com “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social” (artigo 7º, IV, da CF), de acordo com a complexidade e peculiaridades do cargo e requisitos para sua investidura (artigo 39, §1º, da CF).
O subsídio é pago pelos cofres públicos e deveria se submeter a um teto, ao valor máximo que o Estado Brasileiro pode remunerar um agente público.
Mas, existem outras parcelas em que se decompõe a remuneração do agente público, assim como ocorre com o salário de um empregado.
De fato, a Constituição Federal se vale do termo “espécies remuneratórias”, no inciso XIII do seu artigo 37, como gênero que compreende quaisquer estipêndios, como o subsídio, o vencimento (singular), os vencimentos (plural) e a remuneração, pago aos servidores públicos.
A utilização de palavras parecidas, a exemplo de “vencimento” (no singular) e “vencimentos” (no plural), para designar conceitos distintos, ou a utilização de conceitos de palavras distintas se referindo ao mesmo conceito, como “vencimentos”(no plural) e “remuneração”, é uma das causas da má interpretação e aplicação do texto da Constituição.
O conceito de subsídio, que foi introduzido pela Emenda Constitucional 19, de 1998, na tentativa de simplificar e de racionalizar o sistema remuneratório, também não ajudou muito. Ao tentar definir, como “parcela única”, a remuneração fixada em retribuição ao exercício do cargo por um membro de Poder, por detentor de mandato eletivo, por ministros de Estado e por secretários estaduais e municipais, a Constituição também vedou o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, conforme artigo 39, §4º, da Constituição Federal.
Contudo, a Emenda Constitucional 47, de 2005, três anos após a instituição de um teto autoaplicável pela Emenda Constitucional 41, de 2003, ressalvou do mesmo teto e, consequentemente do conceito de subsídio, “as parcelas de caráter indenizatórios previstas em lei”.
Além das parcelas indenizatórias (artigo 37, §11º, da CF), a Constituição reconhece a possibilidade de pagamento parcelas que dizem respeito aos direitos sociais do servidor público (artigo 39, §3º, da CF), a exemplo da gratificação pelo acúmulo de ofícios ou jurisdição[3], e também parcelas de caráter privado, como prêmios de produtividade (artigo 39, §7º, da CF).
O regime do subsídio tornou-se, assim, mais amplo até que o regime de vencimentos, na medida em que este abrangia quaisquer vantagens previstas em lei, incluídas as indenizações legais, (artigo 41 e 49 da Lei 8.112, de 1990), ao passo que o subsídio passou a comportar parcelas indenizatórias, sociais e privadas.
Nesse contexto, a remuneração dos advogados públicos por honorários é uma das raras formas de remunerar o servidor público de acordo com sua produtividade[4] e eficiência, como já reconheceu o Supremo Tribunal Federal. A remuneração do advogado público foi, inclusive, reconhecida pelo Presidente da República[5], como “principal fator de crescimento da arrecadação, apesar do decrescente número de procuradores da Fazenda Nacional em todo país”.
É preciso que fique claro que os honorários advocatícios não são despesa pública[6] e não oneram os cofres do Estado. Assim como os jetons (artigo 1º da Lei 9.292/96), eles têm natureza privada, segundo a Controladoria-Geral da União[7].
Se não vencerem, não irão recebe-los. Essa é a lógica dos honorários: o crescimento se dá conforme o aumento de produtividade. A lei, além de premiar a meritocracia, criou carreiras — a Advocacia-Geral da União e as procuradorias gerais dos estados e dos municípios — que se autossustentam, que vão deixando de onerar os cofres públicos. Isso é formidável.
Os honorários são singulares se comparados a adicionais ou bonificações pagas a servidores públicos. Honorários de sucumbência são um traço peculiar da profissão de advogado, quando atua perante o Poder Judiciário, sem paralelo em outros ofícios. Honorários de sucumbência são um fato processual.
Por outro lado, os honorários não estão inclusos no subsídio dos procuradores da Advocacia-Geral da União, pois sequer existiam quando passaram a ser remunerados por subsídio. Segundo o ministro Joaquim Barbosa, o subsídio é “forma de pagamento que por natureza indica o englobamento em valor único de parcelas anteriormente pagas em separado”. Nesse contexto, os honorários não estão incluídos em nenhuma das parcelas indicadas pela Lei 11.358/2006, que substituiu o regime de vencimentos pelo regime de subsídio nas carreiras que integram a Advocacia-Geral da União.
Depois do Estatuto da OAB, foram necessárias mais duas leis federais, a Lei 13.105/2015 e a Lei 13.327/2016 para reconhecer que os honorários devidos, nas causas em que o Estado for vencedor, não é uma res nullius, uma coisa de ninguém, que o primeiro que chegar pode se apropriar.
Era o que defendia o Parecer CQ 24/94 do Advogado-Geral da União. Duas décadas depois, o Parecer 1/2013/ORLJ/CGU/AGU, também do Advogado-Geral da União, sustentou que os honorários advocatícios poderiam ser, na forma da lei, destinados aos advogados, o que hoje parece até uma obviedade ululante.
Parecia, pois não são raras as decisões que atribuem a pecha de inconstitucionalidade aos honorários. Mas, se os honorários forem inconstitucionais, outras parcelas pagas a agentes públicos, também o seriam. E recomeça uma insensata disputa entre categorias, que se afasta do texto da Constituição, e acaba por confundir institutos diversos.
Enquanto isso, os procuradores da Advocacia-Geral da União economizaram e evitaram a saída de mais de R$ 1,2 trilhão em 2017, ou seja, a advocacia pública é investimento e a sua atuação, além da defesa do Estado, viabiliza as políticas pública em favor da sociedade brasileira.
Honorário é honrar o trabalho. E é isso que os membros da Advocacia-Geral da União têm feito.
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1 SILVA, José Afonso da. Comentários contextuais à Constituição, p. 346
7 Segundo a Controladoria-Geral da União, honorário “é a remuneração percebida por servidores públicos federais em razão da participação como representantes da União em Conselhos de Administração e Fiscal ou órgãos equivalentes de empresas controladas direta ou indiretamente pela União”.
Rogério Filomeno Machado é vice-presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE).
Ricardo Marques de Almeida é assessor da Presidência da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE).
Marcelino Rodrigues Mendes Filho é presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE).
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