O Dia Mundial de Conscientização do Autismo é celebrado no dia 2 de abril e, com a chegada da data, o Advogado da União associado da ANAFE Marcos Weiss Bliacheris entrevistou Ariana Carnielli.
Ariana Carnielli tem 31 anos, é mestranda em Ciência da Computação pela Universidade Sorbonne e vive na França desde 2014, quando se mudou para acompanhar o marido que havia iniciado um doutorado. Nascida no interior de São Paulo, só teve o diagnóstico de autismo já adulta, em 2018, mas passou por diversos psicólogos durante a infância e adolescência por causa das dificuldades de interação social e crises de ansiedade.
Feminista, programadora e integrante da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (ABRAÇA), é apaixonada por videogames desde pequena e tem também hiperfoco em roupas de época e cabelos coloridos, suas marcas registradas. Em suas redes sociais, escreve sobre suas experiências como autista enquanto imigrante e profissional numa área majoritariamente masculina.
1) O que é o autismo?
Autismo é uma deficiência que afeta a forma como vivenciamos o mundo ao nosso redor. Além disso, é também parte integrante do que nós somos. Se tirassem o autismo de uma pessoa, ela não seria mais a mesma pessoa! Eu digo que o autismo faz parte da minha identidade já que permeia todas as minhas interações com o mundo, como eu penso e ajo em cada momento da minha vida.
Cada pessoa autista é singular e tem uma experiência única do que é ser autista. Alguns entre nós precisam de mais suporte no dia-a-dia enquanto outros são mais independentes. Alguns se comunicam oralmente usando a fala, outros apenas com a escrita ou usando aplicativos e sinais. Alguns têm também deficiência intelectual, enquanto outros não. Todas essas pessoas são autistas, porque não existe uma maneira certa ou errada de ser autista. Ainda sim, temos muitas características que nos unem! Muitos de nós temos um interesse especial, por exemplo, ou dificuldades com a função executiva. Nós socializamos de maneira diferente dos “neurotípicos” (pessoas que não são autistas) e podemos ter sensibilidades sensoriais.
Pessoas autistas nascem autistas, crescem autistas e morrem autistas, só que isso não significa que somos imutáveis! Nós aprendemos e nos desenvolvemos assim como as outras pessoas, mas no nosso próprio tempo. E é por isso que talvez os adultos autistas, como eu, às vezes não se pareçam tanto com as crianças autistas que são o primeiro contato que muitos têm com o autismo. Nós estamos em fases diferentes e tivemos muito mais tempo para aprender a navegar no mundo.
2) O que é Neurodiversidade?
Neurodiversidade é a ideia de que diferenças neurológicas como o autismo e o TDAH não são patologias que precisam de cura e sim diferenças naturais, variações possíveis do cérebro humano. A nossa existência é importante e enriquece a sociedade como um todo.
3) A legislação brasileira diz que o autista é uma pessoa com deficiência. Isso não contradiz o que diz a neurodiversidade?
Não. A neurodiversidade adota o modelo social da deficiência, o qual diz que barreiras físicas e sociais são os principais fatores que restringem a participação das pessoas com deficiência na sociedade. No caso de nós, autistas, o mundo é inacessível por muitas razões, por exemplo com barreiras para a nossa comunicação, inacessibilidade sensorial nas escolas e locais de trabalho, etc. Como não temos acesso igual à sociedade por causa dessas barreiras, somos pessoas com deficiência.
4) Há um Dia de Conscientização do Autismo e um Dia do Orgulho Autista. Qual a diferença entre as duas datas?
O dia de conscientização do autismo, comemorado todo 2 de abril, foi criado pela ONU em 2007 para chamar a atenção da mídia e da sociedade para o autismo. É uma data importante mas que muitas vezes acaba diminuída com manifestações que parecem esquecer que as pessoas autistas não são apenas tragédias. Vemos muitas ações que colocam medo nas pessoas sem realmente ajudar na nossa aceitação.
O dia do orgulho autista é comemorado no dia 18 de junho e foi criado por um grupo de autistas americanos chamado Aspies for Freedom em 2005. É um dia de celebração da neurodiversidade das pessoas autistas, das mudanças positivas que trazemos à sociedade em geral e uma tentativa de enfatizar que as pessoas autistas sempre foram uma parte importante da cultura humana. É uma comemoração criada por autistas e para autistas.
5) O que é a ABRAÇA?
A Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça) é uma organização nacional criada em 2008 com a finalidade de defender os direitos e promover a cidadania plena dos autistas e de suas famílias. Na Abraça temos pessoas autistas, defensores de direitos humanos, profissionais de diversas áreas e familiares comprometidos em agir pela inclusão, desinstitucionalização, respeito à diversidade e contra práticas abusivas e excludentes contra autistas. Nossa diretoria é formada majoritariamente por autistas e nossa atual presidenta, Rita Louzeiro, é autista.
6) Há muitas dificuldades em se obter um diagnóstico de autismo, como as dificuldades clínicas dado o desconhecimento de muitos profissionais da saúde sobre a questão. Mas também há dificuldades estruturais, decorrentes da estrutura e formação da sociedade e que acabam influenciando de forma mais acentuada grupos com maior vulnerabilidade social. Como se dá isso na prática?
Estereótipos e preconceitos acabam sendo barreiras suplementares que diversas minorias enfrentam na busca de um diagnóstico. Para mulheres cis, por exemplo, o clichê do autista menino faz com que comportamentos que levantariam dúvidas quando existentes em alguém do gênero masculino sejam desconsiderados. Com pessoas negras é a mesma coisa: quando se fala em pessoas autistas quase ninguém pensa em uma pessoa negra! Isso invisibiliza e de maneira inconsciente leva especialistas a diagnosticarem pessoas negras com outras condições quando na verdade elas são autistas.
Além disso, a falta de profissionais habilitados e o sucateamento do SUS atingem principalmente a população mais pobre, que fica carente por serviços. Depender do SUS para um diagnóstico de autismo é infelizmente passar por longas filas e por atendimentos que muitas vezes não são especializados.