Marcos Weiss Bliacheris é advogado da União, associado da ANAFE, lotado na Consultoria Jurídica da União no estado do Rio Grande do Sul e atuante na e-cju de matéria residual. É ativista, palestrante e ministra capacitações sobre direitos de pessoa com deficiência.
Conversamos com ele sobre o tema por ocasião do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, ocorrido em 3 de dezembro.
Como você se envolveu com os direitos da pessoa com deficiência?
Tenho dois filhos, de 9 e 18 anos, sendo que o maior é autista, que é considerado uma pessoa com deficiência.
A sociedade muitas vezes limita o acesso da pessoa com deficiência aos seus direitos mais básicos, sendo que a maioria não tem acesso à educação ou trabalho. Aos 12 anos, meu filho foi expulso da escola em Brasília. Entramos na Justiça e o Colégio Logosófico foi condenado a uma indenização por danos morais em razão deste ato.
Da luta pessoal à luta coletiva foi um passo pequeno pois logo percebi que esse não era um caso isolado, que as dificuldades no dia a dia eram imensas e não se limitavam ao direito a frequentar a escola ou aos autistas.
Qual a forma correta de se falar. Deficiente, portador de necessidades especiais, pessoa com deficiência?
Hoje, utilizamos pessoa com deficiência. É o termo mais usado. Primeiro vem a pessoa, depois a deficiência. Esse é o termo adotado pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, pela legislação brasileira e vem substituindo todos os termos anteriores.
Hoje, pensa-se que ninguém é deficiente, a deficiência é mais uma dentre as diversas características de uma pessoa. Também se abandonou o uso do “portador”, ninguém “porta” uma deficiência, como porta uma arma ou uma bolsa.
Vale lembrar que a deficiência é uma condição, não é uma qualidade nem um defeito, então não há nenhuma ofensa ao se falar dela. Prefira a comunicação clara a eufemismos que, sim, parecem camuflar a deficiência como se fosse algo negativo.
E o que é deficiência?
Deficiência é um conceito relacional, trata da forma da relação da pessoa com o meio onde vive. É a soma de uma lesão ou impedimento com as barreiras impostas na sociedade.
A pessoa com deficiência visual pode ter uma lesão que a impede de enxergar. A deficiência surge quando essa pessoa vai enfrentar calçadas esburacadas, tentar estudar e não encontra material adequado, navegar na Internet e o site não é acessível.
A deficiência surge quando a pessoa encontra uma barreira que reduz ou impossibilita o exercício de um direito. A lesão faz parte dos saberes biomédicos, a deficiência faz parte do mundo social, da luta por direitos.
Daí que nós entramos, os advogados. Somos especialistas em direitos.
Qual o papel da AGU nessa questão?
A AGU tem muitas responsabilidades e possibilidades nesta questão. É uma área em que atuamos em várias frentes e podemos fazer a diferença.
Primeiro, com nossos membros, servidores e funcionários terceirizados. Temos a obrigação moral e legal de derrubar as barreiras que possam limitar ou impedir o seu desempenho no dia a dia. Banheiros acessíveis, telas maiores e programas ledores para quem precisa, campanhas de sensibilização e conscientização. Temos uma política interna estabelecida para a pessoa com deficiência, temos que fazê-la avançar.
Como órgão consultivo, temos que assessorar as políticas públicas de inclusão da pessoa com deficiência. Os órgãos públicos federais esperam isso da AGU, então, temos que nos capacitar para isso, elaborar pareceres jurídicos que orientem ao gestor nesta implementação.
O Contencioso também faz parte deste esforço, seja mapeando os pontos de judicialização e propondo soluções, seja vendo o que merece ser contestado e o que deve ser acatado pela Administração. Precisamos trabalhar juntos e de uma forma global.
Pessoalmente, estou no Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre o Modelo Único de Avaliação Biopsicossocial da Deficiência, que tem um importante papel de atualizar e adequar nossa legislação com relação à forma de avaliar a deficiência, o que impactará em dezenas de políticas públicas. Represento a AGU, mas temos vários colegas que atuam em nome dos órgãos que assessoram.
Esse Grupo é assessorado por grupos técnicos que contam, todos eles, com membros da advocacia pública federal e que dão uma importante contribuição para o trabalho.
Finalizando, há um termo novo que vem sendo usado que é o “capacitismo”. Você poderia nos falar algo sobre ele?
O preconceito contra as pessoas com deficiência tem nome, embora poucos saibam. Chama-se capacitismo. Termo recentemente popularizado, é usado para descrever o preconceito e a discriminação contra pessoas com deficiência. Tem origem no inglês “ableism”.
Caracteriza-se pela crença de que uma vida vivida com deficiência vale menos que uma vida comum. Manifesta-se tanto nas ações em que se nega acesso aos ambientes, seja por barreiras arquitetônicas (p.ex.: falta de rampa de acesso) ou comportamentais (ao instituir ambientes em que pessoas com deficiências são recusadas ou desencorajadas a frequentar, na maioria das vezes, para “sua proteção”).
Também se expressa pelo tratamento de pena, inferioridade, ao ver a deficiência como uma tragédia e não uma expressão da diversidade humana. É muito comum que se esconda sob uma capa de bondade, dizendo buscar proteger a pessoa com deficiência para ocultar um preconceito atroz.
Para combatê-lo, o primeiro passo é admitir que ele existe e que não é benigno e que serve para excluir e não para proteger. Faz-se necessário derrubar as barreiras que impedem a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade: sejam degraus sejam atitudes que impedem a inclusão.
Parafraseando Angela Davis: em uma sociedade capacitista não basta não ser capacitista é preciso ser anti-capacitista. Não excluir não é o bastante, é preciso ser inclusivo!