Por Frederico Rios Paula e Talden Farias.
É sabido que um dos principais problemas da regulação pública, aí incluída a ambiental, evidentemente, diz respeito à informação. A Administração Ambiental não possui domínio total sobre a realidade, sendo a informação mais complexa do que qualquer tentativa de sistematizá-la. O déficit ou assimetria informacional está associado a outros dois problemas que a economia comportamental identifica como: (1) viés de foco; e (2) viés de comprometimento com a missão[1].
O problema regulatório do viés de foco é a tendência de identificar soluções a partir do campo de expertise da entidade administrativa a quem cabe tratar do ponto de análise, no caso o controle exercido pelos órgãos ambientais. É uma espécie de óculos, que faz enxergar determinada atividade ou empreendimento apenas pelo ângulo de visão da atribuição institucional da entidade administrativa ou funcional do servidor público a ela vinculado. Em outras palavras, o gestor público fica preso à sua expertise e às especificidades do setor no qual atua, perdendo a capacidade de considerar outros aspectos estratégicos e macroeconômicos relacionados. Fenômeno esse que também pode ser denominado “visão de túnel”[2].
Um empreendimento de interesse público estratégico do setor elétrico é visto de formas distintas pelo próprio empreendedor, pelo Ministério de Minas e Energia, pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio. Algumas estratégias podem atenuar problemas advindos de tal viés cognitivo, como, por exemplo, a troca de informação entre os órgãos públicos e com os particulares.
Quanto ao viés de comprometimento com a missão, não se pode perder de vista que cada órgão ou entidade administrativa (Ministérios, Autarquia ou Agência Reguladora) possui uma missão institucional voltada à determinada política pública setorial, cada qual com prioridades e funções específicas. Trata-se de uma decorrência do princípio da especialidade, que reflete a ideia de descentralização administrativa (CF, art. 37, XIX). Quando o ICMBio analisa tecnicamente uma atividade ou um empreendimento no que toca aos seus objetivos de criação, a resposta racional pode acabar sendo regular mais, exercer mais efetivamente o controle ambiental no que toca ao impacto socioambiental nas unidades de conservação federais. Simplesmente porque é isso que sabe fazer, é para isso que foi criado. E esse viés de comprometimento com a missão pode vir a redundar, se não for contrabalanceado/racionalizado, em um estado de hiper-regulação ou de hiper-controle ambiental, o que pode gerar embates com outras agendas também relevantes.
Mas o que se quer dizer com isso não é defender a flexibilização da tão combalida regulação ambiental. Ao contrário, a ideia não é regular menos, é regular melhor, de forma mais racional, responsiva e eficiente.
A tendência de uma regulação ou um controle ambiental mais intenso decorrente do viés de comprometimento com a missão, aliado à visão de túnel, faz surgir um paradoxo regulatório. É mais fácil invalidar judicialmente uma regulação que pareça excessiva – embora, muitas vezes, não seja – do que uma que soe moderada. E, uma vez invalidada, passa a não existir nenhuma regulação. A hiper-regulação acaba gerando sub-regulação.[3] É o risco decorrente da judicialização por parte de empreendedores em face de órgãos ambientais, alegando uma suposta super-regulação ambiental, que impacta a viabilidade de determinado empreendimento de relevante interesse público; ou mesmo de uma contraofensiva política voltada para a flexibilização excessiva da regulação no Projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental.
O diálogo do princípio da especialização com o da integração faz com que se reduzam as chances de incompatibilidade capazes de gerar conflitos[4], ajudando a prevenir os efeitos negativos dos vieses cognitivos acima mencionados. A participação de outras pastas afetadas (Infraestrutura, Minas e Energia, Comunicações) e do titular do empreendimento submetido ao controle ambiental permite compreender os interesses envolvidos, os eventuais impactados e a relevância do tema para os demais atores responsáveis por determinada política pública setorial. Uma vez feita esta interlocução, o processo administrativo estará maduro tecnicamente para que o órgão ambiental, sobretudo o licenciador, possa efetuar um juízo de ponderação técnico-administrativo, o sopesamento, entre o desenvolvimento econômico e social e o meio ambiente, em busca de um desenvolvimento sustentável.
O princípio da integração também dialoga com a ideia de desenvolvimento sustentável em razão da transversalidade dos aspectos ambientais, sociais e econômicos nas políticas públicas, como, por exemplo, no licenciamento ambiental de um empreendimento de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, saneamento básico, energia e telecomunicações. Essa transversalidade permite garantir uma coerência entre os diferentes níveis de governança, assim como propõe o fomento à integração jurídica[5], sobretudo no que se refere à motivação e calibração adequadas da regulação ambiental.
No âmbito do federalismo cooperativo ambiental, a Lei Complementar n. 140/2011 prevê, no art. 4°, instrumentos de cooperação institucional, tais como, no inciso II, “convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público”. Associado aos objetivos fundamentais no exercício da competência comum em matéria ambiental, elencados no art. 3°, esses instrumentos podem servir, por exemplo, à finalidade essencial de “harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente” (inciso III).
A Lei 13.848/2019 trouxe normas indutoras da interação/articulação entre as próprias agências reguladoras federais (artigos 29 e 30) e delas com os órgãos de defesa da concorrência (artigos 25 a 28), do consumidor (artigos 31 e 32), do meio ambiente (artigo 33) e de regulação estaduais, distritais e municipais (artigos 34 e 35). Destaca-se apenas o artigo 33:
“Art. 33. As agências reguladoras poderão articular-se com os órgãos de defesa do meio ambiente mediante a celebração de convênios e acordos de cooperação, visando ao intercâmbio de informações, à padronização de exigências e procedimentos, à celeridade na emissão de licenças ambientais e à maior eficiência nos processos de fiscalização.”
Embora a norma acima destacada tenha como destinatárias principais as agências reguladoras, pode ser lida do ponto de vista dos órgãos de defesa do meio ambiente, no sentido de que estes poderão articular-se com aquelas, visando aos mesmos objetivos: (1) intercâmbio de informações; (2) padronização de exigências e procedimentos; (3) celeridade na emissão de licenças ambientais; (4) maior eficiência nos processos de fiscalização. Esses objetivos podem ser buscados individualmente ou em conjunto, e essa interação pode ocorrer tanto no momento de execução de um projeto quanto no planejamento de uma política pública.
A título de exemplo, o Ibama e Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA editaram a Resolução Conjunta 100, de 27 de setembro de 2021, que estabelece o intercâmbio de informações e padronização de exigências e procedimentos a serem adotados em relação aos critérios para a delimitação do reservatório, proteção ou realocação de áreas urbanas ou rurais, infraestruturas e demais áreas sob o efeito de remanso de reservatórios nos procedimentos de licenciamento ambiental federal de novos aproveitamentos hidrelétricos em cursos d´água de domínio da União. No mesmo sentido, o ICMBio poderia celebrar um acordo de cooperação com a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel ou Agência Nacional de Mineração – ANM, para facilitar o intercâmbio de informações e padronização de exigências e procedimentos quando do exercício do controle ambiental de empreendimento viários, de telecomunicações e minerários no interior de Unidades de Conservação Federais, quando são admitidos ou preexistentes, dentro ou fora do licenciamento ambiental, de modo a aprimorar o controle ambiental.
O propósito é induzir um diálogo cooperativo e reduzir o déficit ou a assimetria informacional, mediante comunicação formal, tanto com o responsável pelo empreendimento submetido ao controle ambiental, quanto com a agência ou as agências e/ou órgão reguladores responsáveis pelos setores regulados em que o empreendimento estiver inserido. Neste último caso, podendo ser firmados convênios e acordos de cooperação técnica, bem como outros protocolos de interação. Por conseguinte, tal medida ajuda a prevenir as consequências negativas dos vieses cognitivos de foco (ou visão de túnel) e comprometimento com a missão abordados.
[1] Os problemas da regulação pública e o paradoxo regulatório são desenvolvidos de forma ampla por José Vicente Santos de Mendonça em Direito Constitucional Econômico: a intervenção do Estado na Economia à luz do pragmatismo e da razão pública. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 431-435.
[2] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 304-305; JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 372.
[3] SUNSTEIN, Cass. Paradoxes of the Regulatory State. University of Chicago Law Review: Vol. 57: Iss. 2, Article 4. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/uclrev/vol57/iss2/4.
[4] FERRAÇO, André Augusto Giuriatto. A insuficiência de integração na gestão nacional dos recursos hídricos brasileiros como óbice estrutural ao desenvolvimento sustentável. 2019. 132 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2019.
[5] PERRUSO, Camila Akemi. Uma análise de Belo Monte à luz do princípio da integração. NOMOS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 33, n. 1, 2013, p. 15-29.
Frederico Rios Paula é procurador federal da AGU (Advocacia-Geral da União) associado à ANAFE, atuando na Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (PFE/ICMBio) desde 2016. Mestrando em Direito Público e pós-graduado em Direito do Estado pela Uerj.
Talden Farias é advogado e professor da UFPB e da UFPE, doutor e pós-doutorando em Direito da Cidade pela Uerj, doutor em Recursos Naturais pela UFCG e mestre em Ciências Jurídicas pela Uerj.