Não é novidade que a atual sistemática de cobrança de créditos das Fazendas carece de eficiência.
O novo modelo de cobrança da Dívida Ativa da União Federal foi criado por meio da Lei nº 13.606/2018 e regulamentado pela Portaria PGFN nº 33/2018. Por certo, já se ouviu bastante sobre fundamentos que levariam ao reconhecimento de inconstitucionalidade da “penhora administrativa” de bens, o que, inclusive, virou objeto da primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade de natureza tributária proposta em 2018 (ADI 5.881).
O foco aqui, então, se voltará para outras medidas que foram introduzidas no novo modelo de cobrança da Dívida Ativa federal e à explanação do porquê de estarmos tão surpresos com a proposta de reforma.
Bem, não é novidade para aqueles que vivem o contencioso tributário que a atual sistemática de cobrança de créditos das Fazendas carece de eficiência, o que é um problema, não só para o Fisco, mas também para o bom contribuinte.
Em estudo técnico elaborado em julho de 2016, a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados apurou que o prazo médio de duração de processos administrativos federais e das execuções fiscais judiciais é de 8 (oito) anos. Isto quer dizer que, entre o lançamento tributário e a satisfação/cancelamento do crédito via execução fiscal, o Fisco e o contribuinte aguardarão, em média, 16 (dezesseis) anos.
Enquanto cidadãos, a eficiência na cobrança da Dívida Ativa é de interesse de todos e medidas alternativas que permitam o aprimoramento da cobrança com a devida observância aos valores e princípios constitucionais devem ser celebradas.
É o caso, por exemplo, do controle prévio de liquidez, certeza e exigibilidade do crédito a ser inscrito em Dívida Ativa, instituído no novo modelo de cobrança. A Portaria PGFN nº 33/2018 contém expressa orientação para que não seja inscrito em Dívida Ativa crédito relacionado à matéria decidida favoravelmente ao contribuinte pelo Supremo Tribunal Federal – “STF” em sede de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade, desde que, neste caso, haja Resolução do Senado Federal suspendendo a execução da lei ou ato declarado inconstitucional.
Nas hipóteses de Súmula Vinculante ou Súmula favorável ao contribuinte do STF ou Superior Tribunal de Justiça – “STJ”; ou em que o mérito tenha sido decidido de modo favorável ao contribuinte pelo STF e STJ em sede de repercussão geral e recursos repetitivos; ou em que haja jurisprudência consolidada no STF e STJ também não haverá a inscrição em Dívida Ativa, contanto que os temas tenham sido incluídos na lista de dispensa de recorrer e/ou contestar da PGFN.
A orientação pela não inscrição em Dívida Ativa de teses pacificadas pela jurisprudência é uma medida que, sem dúvidas, estimula a eficiência e a moralidade no âmbito da Administração Tributária. Contudo, a pergunta que se faz é: as Resoluções do Senado Federal e/ou os atos de dispensa de recorrer e/ou contestar conseguem acompanhar de maneira satisfatória as manifestações dos Tribunais Superiores?
Nos últimos 5 (cinco) anos, foram incluídos 13 (treze) temas na lista de dispensa de recorrer e/ou contestar da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Enquanto, apenas no ano de 2016, o STJ formalizou 6 (seis) acórdãos julgados sob a sistemática de recursos repetitivos em matéria tributária. Em relação ao ano de 2017, o STF formalizou 10 (dez) acórdãos de temas tributários julgados sob a repercussão geral.
Embora a iniciativa seja admirável, nos parece que ela deve ser acompanhada de uma maior agilidade na implementação desse requisito adicional (inclusão na lista e/ou resolução do Senado). Caso contrário, ainda que louvável, não terá a efetividade que se busca.
No novo modelo, no prazo de 10 (dez) dias da notificação sobre a inscrição em Dívida Ativa, o contribuinte poderá se valer de outras duas novidades: i) a apresentação antecipada de garantia; e ii) pedido administrativo de revisão do crédito inscrito em Dívida Ativa.
O oferta simplificada e antecipada da garantia nos parece uma alternativa para uma questão comum: inúmeras são as vezes em que, após a inscrição em dívida ativa, o crédito tributário passa a constar como pendência na situação fiscal do contribuinte ainda que antes do ajuizamento da correspondente execução fiscal. Essa situação resultou em diversas medidas perante o Poder Judiciário exclusivamente para antecipar a garantia e viabilizar a regularidade fiscal. Agora a solução se apresenta de forma mais fácil.
A Portaria PGFN nº 33/2018 fixou o prazo de 30 (trinta) dias para apreciação da garantia oferecida antecipadamente pelo contribuinte e para o ajuizamento da respectiva Execução Fiscal após a aceitação da garantia. Mais uma vez, apesar de vermos com muito bons olhos a iniciativa, 30 (trinta) dias pode ser um prazo demasiadamente longo dependendo da urgência do contribuinte em atestar sua regularidade fiscal, o que também pode acabar prejudicando a possibilidade de se recorrer a um instrumento interessante.
Após intimado da inscrição em Dívida Ativa, se o contribuinte não concordar com a cobrança, poderá também apresentar Pedido de Revisão de Dívida Inscrita – “PRDI” para casos em que haja causa de extinção ou suspensão do crédito tributário; orientação expressa pela própria Portaria PGFN nº 33/2018 para a não inscrição em Dívida Ativa; ou retificação de declaração ou preenchimento equivocado de declaração.
Vemos o PRDI como uma excelente alternativa à Exceção de Pré-Executividade, defesa construída pela jurisprudência e doutrina e normalmente utilizada para casos em que as alegações não demandam dilação probatória ou que podem ser conhecidas de ofício. O prazo para análise pela PGFN também será de 30 (trinta) dias nos termos da Portaria PGFN nº 33/2018.
Além das referidas medidas criadas pelo novo modelo de cobrança da Dívida Ativa da União Federal, outras foram sendo incorporadas na prática tributária como, por exemplo, o protesto extrajudicial das Certidões de Dívida Ativa, criado em 2013 e declarado constitucional pelo STF (ADI 5.135), bem como o canal para denúncia de patrimônio de devedores da União Federal e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – “FGTS”, disponibilizado pela PGFN no início de 2018.
Enquanto cidadãos e tributaristas, não devemos temer a evolução na cobrança da Dívida Ativa. Eficácia na cobrança de créditos tributários efetivamente devidos e sistemáticas de revisão de cobranças inócuas é um jogo em que saem vitoriosos a Fazenda e o contribuinte de boa-fé, desde que, claro, as inovações venham em consonância com os princípios constitucionais.