As democracias modernas se caracterizam cada vez mais por diferenciar a legítima proteção da res publica da mera defesa dos interesses de governos. Dessa forma, nas sociedades contemporâneas, o bem público não se confunde com submissão aos anseios, por mais autênticos que possam ser, dos detentores do Poder Executivo.
O Brasil avançou muito nesse caminho quando estabeleceu, na Constituição de 1988, as bases para a criação de uma advocacia pública efetivamente republicana. O texto constitucional atribuiu aos advogados públicos relevantes missões, dentre as quais a representação judicial e extrajudicial dos executivos federal, estaduais e municipais; o resguardo dos patrimônios ambiental, artístico-cultural e social do país; além da consultoria jurídica relativa aos atos administrativos dos governantes.
No entanto, resta complementar a trilha iniciada pelo constituinte, regulamentando a atividade de maneira a impedir que o advogado público, em essência um defensor do Estado, se transmute em simples protetor de interesses dos governos. Consagrados juristas já alertaram para o risco de se manter as regras atuais, que subordinam os integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) e das procuradorias de estados e municípios aos respectivos chefes do Executivo. O antídoto para isso está em uma regulamentação que assegure à advocacia pública a devida autonomia não somente administrativo-financeira, como, sobretudo, funcional no que se refere à independência técnica de seus integrantes.
Trata-se, tal independência, de uma aspiração da sociedade organizada. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já expressou essa aspiração por meio do Protocolo 114, de outubro de 2006. No artigo 5º desse documento está inscrito: “É dever do advogado público a independência técnica, exercendo suas atividades de acordo com suas convicções profissionais e em estrita observância aos princípios constitucionais da administração pública”.
Evidentemente, o texto do protocolo não significa que quis a OAB equiparar a autonomia funcional dos integrantes da advocacia pública à concedida, por exemplo, aos membros do Ministério Público. Está claro o condicionamento que o advogado público deve a pareceres proferidos pela AGU, cujo titular é o dirigente máximo da instituição.
Mas a independência a que se refere o texto da OAB abarca em seu espírito o dever do advogado público de reconhecer tecnicamente os casos em que é líquido o direito do cidadão em eventual demanda contra o Estado ou seus servidores. Com isso, muitas das distorções que hoje ainda ocorrem poderiam ser substancialmente reduzidas.
Entre as distorções mais gritantes está a prática do Estado de recorrer até a última instância sempre que uma decisão lhe seja desfavorável, independentemente de critérios técnicos. Em outras palavras, mesmo que seja pacífico o direito do cidadão em processo envolvendo servidores públicos, consubstanciado, por exemplo, por jurisprudência, ainda assim, muitas vezes se interpõem recursos.
Com isso, a advocacia pública contribui decisivamente para congestionar de forma insuportável um Judiciário já por si abarrotado. A prática não raro tangencia a litigância de má-fé quando s�”.” . $!�����1s1s